quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Rebeldia do bom aluno


Você ensina seu filho a ser educado, a respeitar a figura de autoridade em sala, a valorizar o mestre, mostrando o quanto um professor trabalha em casa para planejar uma aula. Você o educa para que ele se torne uma pessoa sociável, agradecida, resiliente, consciente das limitações alheias. Seu filho é um excelente aluno - notas boas, comportamento exemplar, não dá um pingo de trabalho, professor sorri de um canto a outro quando fala dele. Que lindo, que máximo!
Acontece que nesse mundo, a energia está toda voltada para o problemático. A exemplo da sociedade em geral, o medo de corrigir, a reticência em chamar a atenção, a preocupação em não puxar tanto no aprendizado, a eterna busca de justificativas para o mau comportamento. Sempre é culpa de alguém ou de algo, da chuva, do sol, do vento.
Tadinhos, temos que ser compreensivos. Engraçado que são sempre as mesmas figuras a aprontar. E o bom aluno está lá, na ânsia de aprender, quietinho, respeitoso, esperando a tempestade passar. Na calmaria, até que ele consegue ser visto através de seus excelentes resultados.
No dia a dia, a energia do professor se esvai quando vê a turma bagunçando, quando um discente bate boca, quando aparentemente ninguém está interessado na matéria, quando a enrolação passa dos limites. Então a autoridade decide aparecer, mas é covarde para bater de frente com os agentes do caos. Tendo a opção de nomear e responsabilizar os fofíssimos, decide punir a turma inteira, fazendo pose de bravura e valentia. É melhor diluir a possibilidade de reclamação dos pais zelosos quando os condenados são trinta, e não apenas dois ou três. O bom aluno está lá, quietinho, com sede de saber, recebendo um castigo por algo que não cometeu. Tentando entender onde existe justiça, pisa em ovos para tirar dúvidas com o professor que, para mostrar que tem poder, decide ser ríspido com todos.
É assim, a vitimização e superproteção do culpado, a culpabilização por tabela de quem só cumpre seu dever. O esquecimento do bonzinho, pois só tem valor quem berra.
Eis que você decide mudar de estratégia e começa a ensinar a rebeldia do bem. Mostra para o seu filho que ele tem direito de aprender, de ser enxergado, de ter suas dúvidas sanadas, de não ser privado de algo pelo erro de outro. Você expõe formas educadas de lutar pelo que quer, de não aceitar generalizações, de não se intimidar diante da brabeza de quem não é capaz de colocar limites num grupo. Sim, ele pode aparecer e deve ser respeitado pelo professor, pois o docente que não valoriza o aluno que traz dúvidas no processo de aprendizagem, não percebe que só o faz quem quer evoluir.
Como professora cometi muitos equívocos, mas nunca permiti que os desinteressados atrapalhassem aqueles que iam à aula para aproveitar de verdade. Até tive aluno autoridade, mas em sala, a autoridade era eu, e meu papel maior era proteger o interesse de quem quer aprender. Como aluna, nunca deixei de perguntar algo em sala, mesmo que o professor fosse aquele com fogo nas ventas, do qual a maioria tinha pavor. Ele estava lá para ensinar e eu queria muito compreender tudo.
Para a escola, o bom aluno é exemplar e não dá trabalho pra ninguém, é o sonho de todo professor. Mas se o mestre olhar de perto e com carinho, perceberá que por trás dos bons resultados há bastante demanda, uma incansável luta interna e muita, muita necessidade de atenção. Para o bom aluno, não basta ganhar um 'parabéns'. Ele quer mais, ele pode mais, ele não precisa ser freado enquanto os outros decidem se seguem devagar ou dão marcha a ré.
No país da mediocridade é assim. Você é brilhante, não precisa de nada. Mas quem é bom não pode se calar, se contentar com o cantinho da sala, num mundo onde educação não tem valor (aliás, até te prejudica). É hora de ser rebelde e gritar pela instrução que você merece.

13 de março de 2018

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