quinta-feira, 15 de novembro de 2018

A problemática do discurso do amor


Tempos agitados, posicionamentos fortes, disputa entre o bem e o mal, preocupação com o discurso de ódio.
Mas o que intriga, mesmo, é o discurso do amor.
O amor e a bondade, não raras vezes, são utilizados para propagar a aversão e justificar delitos. Já que ama o azul, pode esculachar quem prefere o cinza. Como é bom para alguns, pode corromper e ser corrompido. Os amorosos formam times, angariam torcidas e fazem discípulos. 
Num raio de persuasão menor, porém não menos importante, temos também o sublime sentimento. O motor das relações humanas. A chama que não se apaga em meio à tempestade. A inspiração que traduz a beleza maior do ser.
Ah, o amor... Ao mesmo tempo, arma e armadura. 
Os brados:
"Porque amo e sei o que é melhor para você, posso desconsiderar seu sentimento. Não preciso compreender o que me diz."
"Porque amo, eu mereço ser feliz, embora minha felicidade custe o seu sorriso."
"Porque amo, você precisa acatar cegamente os meus caprichos."
"Porque amo, eu não erro com você. Não quero ouvir suas reclamações sem sentido."
"Porque amo, sou emoção. Não aceito sua razão." 
Bastante cômodo pensar que o amor é um antídoto contra equívocos. Confortável acreditar que quem ama não erra, não fere, não agride, não ignora o alvo da devoção.
Amar. Armar. Armadura. Alma dura.
Discurso cínico, autocentrado, que se fecha para o diálogo, para o conhecimento do outro, para a solução de problemas. Ouvido que se tapa para o choro, coração que não amolece diante da objeção, olho que cerra para ignorar o apelo, cérebro que não legitima a raiva alheia.
Confusão que transforma o devoto em santo, que cultua o próprio sentimento, que não admite o distanciamento saudável, que cobra do ser amado a idolatria. A igreja do amor egoísta, insensível, que não transcende as palavras, tendo como resultado prático a aflição.
Mais eficiente que o amor é o respeito. Este, sim, é casaco que se abre para a conversa, venha ela em forma de brisa ou ventania; é trem que enxerga a hora de partir.
Os acatamentos:
"Amo, mas posso não saber o que é melhor para você. Porque respeito, preciso considerar seu sentimento, sua história, seu momento."
"Amo e mereço ser feliz. Porque respeito, sei que minha felicidade não deve custar o seu sorriso."
"Amo, mas você não precisa acatar cegamente os meus caprichos. Porque respeito, anotarei os seus limites."
"Amo. Contudo, sei que também erro. Porque respeito, consigo processar suas reclamações."
"Amo e sou pura emoção. Entretanto, porque respeito, posso entender sua razão." 
Geralmente, é mais fácil ser respeitado pelo inimigo declarado, do que por alguém que falseia adoração. 
Quem ama não pode tudo. 
O amor não deve ser usado como escudo.
Quem precisa se proteger encontra um jeito.
Respeitar é expressar o amor no peito.

21 de agosto de 2018

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