quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Olhar para além da vontade de ajudar


Diante de um pedido de ajuda, é imprescindível prestar atenção. Olhar para além da vontade de ajudar. Enxergar aquele que roga por auxílio, compreendendo o sentido do pedido.
Em momentos de furacão a bondade aflora, e isso é lindo. 
Entretanto, havendo divergência entre o que o outro pede e o que se pretende fazer, é imperioso questionar. Por que ele necessita daquilo? Qual a razão de recusar os termos da oferta? Como a solução fácil o afetaria negativamente?
Em situações de impotência, a linha que separa a boa intenção e a arrogância é tênue.
Ajudar segundo o próprio entendimento, desconsiderando a lucidez do outro, é colocar o ego, a ilusão de heroísmo e a prepotência à frente do necessitado. É mostrar-se superior ao sofredor, na indecência de definir o que ele precisa.
Insensato é invalidar o que o outro sente, apenas porque é mais cômodo auxiliar de certo modo. 
Cruel é atravessar os olhos daquele que se ajoelha e implora, explicando exaustivamente, e ignorar o que ele diz. 
Impiedoso é partir do pressuposto de que ter uma doença, uma incapacidade física, um desafio perene ou temporário, é sentença para interdição. Deve-se deixar o laudo para os profissionais e, diga-se de passagem, não é aconselhável crer em todos.
Sempre vale uma quinta opinião.
A dor machuca, traz destempero, muda a rotina, mas não mata o ser pensante no corpo que padece. Se não quis o destino trazer o atestado de óbito, há que se considerar o pedido e o pedinte. 
Quantas vezes a mão estendida, na realidade, só faz retirar o pouco que resta do moribundo?
Se ele quer limpar a própria ferida, deixemos. É um alento conseguir cuidar de si mesmo até a idade em que as mãos e a cabeça não aguentem mais.
Se ele não quer a louça lavada, respeitemos. O prato não vai apodrecer em um dia, e a pia suja dá a esperança de que amanhã ele se levantará da cama. 
Se ele explica que o caos é temporário e contornável, dizendo que fará o possível assim que a poeira baixar, concedamos um voto de confiança.
Esperemos um pouquinho mais. Pensemos antes de agir pelo outro. A luta é dele.
Nosso desafio é apoiar na retaguarda, isso é que é belo. 
A ferida que se tapa com esparadrapo pode ser aquela que ensina como respirar. A pia que se deixa brilhante pode ser o atestado da perda de controle. O pó que se retira com o pano pode ser aquele que falta para a fênix ressurgir das cinzas. A roupa que se joga na máquina pode ser a última que aquece a alma dilacerada. A conversa que se despreza pode ser a demonstração do mais alto nível de autoconhecimento daquele que enfrenta a turbulência. 
Acreditar que fazer o que convém significa ajudar é sinal de incompreensão.
Porém, sejamos justos. 
A frieza disfarçada de bondade e a arrogância de quem dita regras para o padecimento alheio podem se transformar num grande remédio. O antídoto para o delírio de que não se sofre sozinho. O colírio para vislumbrar que estar ao lado não significa estar junto. O multivitamínico que dá energia para deixar a bagagem da dependência emocional e seguir em frente.
Eis que a alta inesperada faz o altruísmo aparecer e correr atrás, jogando a máscara no chão. "Puxa, ele precisava de água, e eu insistindo em oferecer o feijão! Estava disponível na prateleira..." 
Assim é: damos o que não nos tira o conforto e nos custa menos. 
Acontece que água dá em poço, meus caros. Quando está difícil obter um copo ou a torneira fecha, o universo traz forças para cavar ou enfrentar os espinhos dos cactos, diante ou distante da fonte que secou. Por vezes, gotas caem do céu e encontram a cuia feita com as próprias mãos. Onde há vida, há condição na solidão.
Perante a súplica, o clamor e a reclamação, é de suma importância deixar os olhos e o coração abertos.
Fazer o bem sem olhar a quem? Sim.
Fazer o bem, olhando profundamente para quem? Também.

24 de junho de 2018

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Escrevo porque preciso

Escrever é uma necessidade...  O pensamento chega, o texto se ajusta de forma meteórica e necessita ser externado. Um process...