quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Gentil é aquele que aceita o direito do outro se expressar.


Vez ou outra vem a imagem de um professor do ginásio que, ao entregar a redação corrigida, disse que eu escrevia muito bem, mas meus textos eram mórbidos demais. Lembro-me perfeitamente de fitá-lo por poucos segundos, dizer algo como 'tá bom' e seguir para a carteira, admirando a nota máxima. Não o agradei naquela produção, obviamente, mas ele soube separar sua visão de mundo da minha verdade, não usou de sua posição para descontar um décimo do texto impecável. Eu tinha o direito de expressar meus pensamentos. 
Já no colegial, outro professor, ao entregar a correção do texto opinativo, disse que estava muito bom, asseverando que se eu mudasse minha opinião sobre o tema controvertido, ele aumentaria a nota para "B". Lembro-me perfeitamente de fitá-lo e responder (com a polidez que a natureza me permitiu) que eu não iria mudar minha visão apenas para agradá-lo. Se eu escrevi bem, mas o critério para a nota era concordar ou não com ele, eu preferia ficar com meu "C". Diante de seus olhos arregalados, segui para a carteira admirando aquela nota que eu abominava e poucas vezes obtive. Mas naquele dia eu me dei um valor para o "C". Eu tinha o direito de expressar meus pensamentos. 
Hoje, lendo o livrinho que guardei dos tempos de escola, amostra pequena do tanto que devo ter produzido, vejo que a atração por temas mais mórbidos, negativos, realistas ou crus, a depender do ponto de vista, vem desde sempre. Possivelmente nasceu comigo, talvez atrelada à facilidade em enxergar algumas coisas como de fato se mostram, à característica de não conseguir colocar uma cortina de fumaça sobre o que vejo. Se eu vejo, seria muita crueldade comigo fingir que não, apenas para amaciar o ego de quem pensa diferente ou resiste em admitir o que vê. 
Característica tão dura e cruel com quem me escuta ou lê, é verdade. Característica que me faz ser procurada muitas vezes, exatamente por não amenizar e falar o que poucos têm coragem, é verdade também.
Característica que me proporciona mostrar aos meus filhos a realidade do mundo em que vivem, e não do universo ideal que eu gostaria de embrulhar de presente, que me obriga a ensiná-los a se proteger inclusive da minha crueldade.
Todos temos um pouco de morbidez, todos somos cruéis com palavras, ou a falta delas, com o grito ou o silêncio, com o destempero do contato físico ou a inexistência do abraço. Muitas reencarnações de buda, espíritos a serviço da iluminação esbravejarão o contrário, que sou pessimista além da conta. Verdade absoluta, antecipo. Raios de luz, paz e bem, contestando o livre arbítrio alheio - cada qual com sua realidade.
Feliz deve ser aquele que enxerga o que realmente é quando se olha no espelho. Aquele espelho, que lembra vidro, que quebra fácil e não se aconselha colar: o outro.
Gentil é aquele que aceita o direito do outro se expressar.
Professores sempre ensinam, na bronca, na nota justa ou injusta, no entendimento momentâneo ou após décadas. 
Deve ser por isso que alguns acontecimentos a gente nunca esquece.

25 de novembro de 2017

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