Vez ou outra vem a imagem de um professor do
ginásio que, ao entregar a redação corrigida, disse que eu escrevia muito bem,
mas meus textos eram mórbidos demais. Lembro-me perfeitamente de fitá-lo por
poucos segundos, dizer algo como 'tá bom' e seguir para a carteira, admirando a
nota máxima. Não o agradei naquela produção, obviamente, mas ele soube separar
sua visão de mundo da minha verdade, não usou de sua posição para descontar um
décimo do texto impecável. Eu tinha o direito de expressar meus pensamentos.
Já no colegial, outro professor, ao entregar a
correção do texto opinativo, disse que estava muito bom, asseverando que se eu
mudasse minha opinião sobre o tema controvertido, ele aumentaria a nota para
"B". Lembro-me perfeitamente de fitá-lo e responder (com a polidez
que a natureza me permitiu) que eu não iria mudar minha visão apenas para
agradá-lo. Se eu escrevi bem, mas o critério para a nota era concordar ou não
com ele, eu preferia ficar com meu "C". Diante de seus olhos
arregalados, segui para a carteira admirando aquela nota que eu abominava e
poucas vezes obtive. Mas naquele dia eu me dei um valor para o "C".
Eu tinha o direito de expressar meus pensamentos.
Hoje, lendo o livrinho que guardei dos tempos
de escola, amostra pequena do tanto que devo ter produzido, vejo que a atração
por temas mais mórbidos, negativos, realistas ou crus, a depender do ponto de
vista, vem desde sempre. Possivelmente nasceu comigo, talvez atrelada à
facilidade em enxergar algumas coisas como de fato se mostram, à característica
de não conseguir colocar uma cortina de fumaça sobre o que vejo. Se eu vejo,
seria muita crueldade comigo fingir que não, apenas para amaciar o ego de quem
pensa diferente ou resiste em admitir o que vê.
Característica tão dura e cruel com quem me
escuta ou lê, é verdade. Característica que me faz ser procurada muitas vezes,
exatamente por não amenizar e falar o que poucos têm coragem, é verdade também.
Característica que me proporciona mostrar aos
meus filhos a realidade do mundo em que vivem, e não do universo ideal que eu
gostaria de embrulhar de presente, que me obriga a ensiná-los a se proteger
inclusive da minha crueldade.
Todos temos um pouco de morbidez, todos somos
cruéis com palavras, ou a falta delas, com o grito ou o silêncio, com o
destempero do contato físico ou a inexistência do abraço. Muitas reencarnações
de buda, espíritos a serviço da iluminação esbravejarão o contrário, que sou
pessimista além da conta. Verdade absoluta, antecipo. Raios de luz, paz e bem,
contestando o livre arbítrio alheio - cada qual com sua realidade.
Feliz deve ser aquele que enxerga o que
realmente é quando se olha no espelho. Aquele espelho, que lembra vidro, que
quebra fácil e não se aconselha colar: o outro.
Gentil é aquele que aceita o direito do outro
se expressar.
Professores sempre ensinam, na bronca, na nota
justa ou injusta, no entendimento momentâneo ou após décadas.
Deve ser por isso que alguns acontecimentos a
gente nunca esquece.
25 de novembro de 2017
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