Calma, essa
não é uma interpretação da famosa e elaborada música da cantora Rosana. É uma
reles análise da ligação entre dois sentimentos que nos inflam o ego: o amor e
o poder.
Nasce um
filho, e com ele um pai e uma mãe. A partir desse momento, essas
duas palavrinhas passarão a definir as pessoas que geraram aquele ser único:
bancário e pai, veterinária e mãe. É tanto amor, que esses babões não conseguem
mais deixar de pensar no fruto de sua união. Possivelmente, todas as suas
decisões serão tomadas considerando as necessidades de seus bibelôs.
Bibelôs? Não
dá pra negar que muitas vezes os pais tratam os filhos como troféus, dignos de
serem protegidos e polidos, mas também ostentados. Quanta felicidade
em publicar lindas fotos, noticiar cada progresso, conquista e façanha. Genitores alegres, trocando figurinhas sobre os seus prodígios. Que isso é bom demais e enche
o peito, é fato.
E junto desse
sublime sentimento, vem o poder. A vida se transforma, vira de cabeça
pra baixo, e o pai nem se importa. Agora ele é responsável não apenas por si,
mas também por uma criatura indefesa, cujos passos tem o dever de controlar.
Que é para o bem do filho, ninguém duvida. A mãe não dorme direito, quer saber
tudo o que a garota come, bebe, fala, faz e pensa. Tudo para orientá-la
amorosamente, afinal tem mais experiência de vida e nunca desejará seu mal.
Independentemente
do estilo de educação adotado, a parceria entre o amor e o poder está sempre
evidente. Afinal de contas, permitir ou não certas atitudes, determinar ou
apenas aconselhar, ser rígido ou cuca-fresca, estar sempre presente ou às vezes ausente,
é decisão unilateral dos pais. Enquanto os herdeiros dependem deles financeira ou
emocionalmente, o domínio é inevitável, mas há quem proclame que a obediência e submissão são obrigações filiais eternas.
Porém, quando os bebezinhos crescem e transformam-se em adultos autônomos, a poderosa
aliança amorosa começa a se modificar. Os pais amam, mas não conseguem fazer
valer o poder de outrora. Aquele discurso do “eu sou pai e amo, então posso” já não
cola mais. Lá se foi o pátrio-poder legal e a filha não dá corda para chantagem
emocional, pois acredita que chegou a hora de ditar suas regras, como os pais fizeram com as próprias vidas. A andorinha se liberta e sai de casa para o céu
alcançar.
Não raro, os corações materno e paterno levam um choque. Aqueles que por anos se definiram na árdua e
prazerosa tarefa de cuidar da vida dos filhos, de uma hora para outra se veem
obrigados a olhar para si mesmos. Era tão bom ocupar o seu tempo com os seres amados,
e agora não são donos de mais nada. O que vai preencher o vazio? Pensa que é
fácil aceitar o que não se planejou? Como obter a recompensa por tanto
sacrifício e dedicação?
Verifica-se então uma nova fase do amor, condicionado ao crescimento do ente querido. Alguns pais se tocam com os primeiros sinais
de exaurimento do antigo domínio e, apesar da sensação de perda fatal,
aprendem a amar sem ter direito. Outros insistem mais um pouco e, por convenção
das partes, continuam com migalhas desse poder, agora vinculado à
opção do filho em se beneficiar disso de algum modo, ou decorrente de uma necessidade mútua. E há aqueles que nunca
desistem, colaborando para que a independência e a autoridade fiquem eternamente
presos no ringue, deixando a atuação do amor na plateia.
Amor
incondicional é aquele que se contenta com o que o outro tem para dar, mesmo que os pais acreditem que mereceriam mais. Quanto à perpetuação do poder, não basta querer, e é mais saudável reconhecer e acatar a temida hora. Chega o tempo em que não dá para continuar 'a fim de dividir, no fundo do prazer, o amor e o poder', e deve-se deixar os filhos livres para escreverem sozinhos sua história.
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