Após horas de diversão no parquinho, as crianças pedem para brincar
mais um pouco. Cinco minutos depois, a chamada final. A caminho de casa, a
energia infantil se dissipa. Sabendo que encontrarão brinquedos espalhados para
guardar, os espertinhos se antecipam, lamuriosos:
_Ai mãe, minha perna tá doendo...
_Eu tô muito cansado, tô tonto...
A mãe, que de boba acha que não tem nada, percebe a armadilha e
retruca:
_Nem vem, pra brincar não tinha nenhum problema. A ordem é chegar e
organizar os brinquedos. Mamãe já disse que é muita gente pra bagunçar, não é
justo só ela guardar e as crianças têm que cuidar do que é seu. Lembrem-se do
programa ‘Acumuladores’, do canal 55. Alguém quer ficar com a casa daquele
jeito? (Cabecinhas sinalizando o não, sinal de que eles gostam da casa arrumadinha)
Conforme previsto, mesmo depois da milésima edição, retorna o capítulo
da luta. Mãe pedindo vinte vezes, meninos se fazendo de surdos (a voz materna é
pior que zumbido), muito drama e briga. O tempo passa e os brinquedos continuam
lá.
Já estressada e com saudades da época em que ameaçar chamar a
Supernanny dava algum resultado, a mãe tem uma ideia. Coloca os filhos para pensar no quarto, pega o rodo e começa a puxar tudo que está no chão,
completamente muda. Diante de quatro olhos arregalados e perplexos, ela junta os objetos num canto, finge ligar o celular e prepara o teatro:
_Sr. Arnaldo? É da creche que recebe brinquedos de crianças
preguiçosas, que não se importam com o que têm? Ah, sei, tem muitos meninos aí
sem nenhum carrinho. Faz o seguinte, pode mandar o caminhão buscar um monte de
brinquedos para doação. Meus filhos não guardam nada, é melhor esses bonecos
irem para quem dá valor. Um minutinho...
Entra no quarto e vê os coitadinhos com os olhos marejados. Um deles
fala:
_Por favor, mamãe. Nós vamos guardar.
_Sr. Arnaldo, eu vou dar um voto de confiança, pois meus filhos estão
dizendo que irão ajudar. Mas fique a postos, porque se eles não arrumarem tudo
rapidinho, eu ligo pro senhor mandar o caminhão.
Que transformação! Meninos cantando enquanto rapidamente juntam suas
coisas, sorrisos pra cá, abraços pra lá. Satisfeita, a mãe coloca tudo nas
caixas, explica as vantagens do trabalho em equipe e pensa ter encontrado a
solução para o dilema.
Mas sonho de mãe dura pouco e teimosia de criança nunca acaba. Domingo
de sol, pedido para guardar os brinquedos que formam um tapete no chão da sala,
os meninos com a velha ladainha: corpo-mole e ouvidos moucos para os
apelos dos pais.
Calma e propositadamente, a mãe, cansada da bagunça e desobediência
rotineiras, liga o aspirador e captura três peças pequeninas. Chama os donos da
arte e mostra que ele realmente engole os brinquedos que ficam espalhados,
dizendo que tentará salvá-los. O chororô começa. A heroína abre o equipamento, resgata
os pobres brinquedinhos e logo acaba com a comemoração dos pequenos:
_ Quantas vezes eu avisei? Dessa vez consegui, mas nas outras nem vou
me preocupar. Quem não quiser perder
nenhum brinquedo que guarde todos sempre. Vamos pra sala que vou começar a
aspirar.
Milagrosamente, as crianças exaustas se transformam no Flash e no Flecha
dos Incríveis. Cena cômica: aspirador funcionando, a mãe afastando os sofás e puxando
intencionalmente alguns objetos, os meninos gritando, recuperando os brinquedos
e correndo com eles para o quarto. Parado na porta, o pai ri disfarçadamente e tenta
entender essa pedagogia infantil do desespero.
Em cinco minutos, a sala está um brinco. As crianças, de livre e espontânea vontade,
começam a recolher os brinquedos jogados no quarto dos pais. Segundos depois
chega o mais insistente, desmotivado:
_Mas mãe, se abaixar muito a gente acaba ficando com dor nas costas!
_Verdade, mas se vocês não podem sentir dor, muito menos eu. Já que
ninguém pode se agachar, acho melhor deixar tudo para o aspira...
Antes de terminar a frase, ela observa o malandrinho deitado no chão,
tentando pegar os brinquedos embaixo da cama. Vapt-vupt!
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