domingo, 22 de abril de 2012

Teimosia infantil e (falta de) psicologia na arrumação


Após horas de diversão no parquinho, as crianças pedem para brincar mais um pouco. Cinco minutos depois, a chamada final. A caminho de casa, a energia infantil se dissipa. Sabendo que encontrarão brinquedos espalhados para guardar, os espertinhos se antecipam, lamuriosos:
_Ai mãe, minha perna tá doendo...
_Eu tô muito cansado, tô tonto...
A mãe, que de boba acha que não tem nada, percebe a armadilha e retruca:
_Nem vem, pra brincar não tinha nenhum problema. A ordem é chegar e organizar os brinquedos. Mamãe já disse que é muita gente pra bagunçar, não é justo só ela guardar e as crianças têm que cuidar do que é seu. Lembrem-se do programa ‘Acumuladores’, do canal 55. Alguém quer ficar com a casa daquele jeito?      (Cabecinhas sinalizando o não, sinal de que eles gostam da casa arrumadinha)
Conforme previsto, mesmo depois da milésima edição, retorna o capítulo da luta. Mãe pedindo vinte vezes, meninos se fazendo de surdos (a voz materna é pior que zumbido), muito drama e briga. O tempo passa e os brinquedos continuam lá.
Já estressada e com saudades da época em que ameaçar chamar a Supernanny dava algum resultado, a mãe tem uma ideia. Coloca os filhos para pensar no quarto, pega o rodo e começa a puxar tudo que está no chão, completamente muda. Diante de quatro olhos arregalados e perplexos, ela junta os objetos num canto, finge ligar o celular e prepara o teatro:
_Sr. Arnaldo? É da creche que recebe brinquedos de crianças preguiçosas, que não se importam com o que têm? Ah, sei, tem muitos meninos aí sem nenhum carrinho. Faz o seguinte, pode mandar o caminhão buscar um monte de brinquedos para doação. Meus filhos não guardam nada, é melhor esses bonecos irem para quem dá valor. Um minutinho...
Entra no quarto e vê os coitadinhos com os olhos marejados. Um deles fala:
_Por favor, mamãe. Nós vamos guardar.
_Sr. Arnaldo, eu vou dar um voto de confiança, pois meus filhos estão dizendo que irão ajudar. Mas fique a postos, porque se eles não arrumarem tudo rapidinho, eu ligo pro senhor mandar o caminhão.
Que transformação! Meninos cantando enquanto rapidamente juntam suas coisas, sorrisos pra cá, abraços pra lá. Satisfeita, a mãe coloca tudo nas caixas, explica as vantagens do trabalho em equipe e pensa ter encontrado a solução para o dilema.
Mas sonho de mãe dura pouco e teimosia de criança nunca acaba. Domingo de sol, pedido para guardar os brinquedos que formam um tapete no chão da sala, os meninos com a velha ladainha: corpo-mole e ouvidos moucos para os apelos dos pais.
Calma e propositadamente, a mãe, cansada da bagunça e desobediência rotineiras, liga o aspirador e captura três peças pequeninas. Chama os donos da arte e mostra que ele realmente engole os brinquedos que ficam espalhados, dizendo que tentará salvá-los. O chororô começa. A heroína abre o equipamento, resgata os pobres brinquedinhos e logo acaba com a comemoração dos pequenos:
_ Quantas vezes eu avisei? Dessa vez consegui, mas nas outras nem vou me preocupar.  Quem não quiser perder nenhum brinquedo que guarde todos sempre. Vamos pra sala que vou começar a aspirar.
Milagrosamente, as crianças exaustas se transformam no Flash e no Flecha dos Incríveis. Cena cômica: aspirador funcionando, a mãe afastando os sofás e puxando intencionalmente alguns objetos, os meninos gritando, recuperando os brinquedos e correndo com eles para o quarto. Parado na porta, o pai ri disfarçadamente e tenta entender essa pedagogia infantil do desespero.
Em cinco minutos, a sala está um brinco.  As crianças, de livre e espontânea vontade, começam a recolher os brinquedos jogados no quarto dos pais. Segundos depois chega o mais insistente, desmotivado:
_Mas mãe, se abaixar muito a gente acaba ficando com dor nas costas!
_Verdade, mas se vocês não podem sentir dor, muito menos eu. Já que ninguém pode se agachar, acho melhor deixar tudo para o aspira...
Antes de terminar a frase, ela observa o malandrinho deitado no chão, tentando pegar os brinquedos embaixo da cama. Vapt-vupt!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Escrevo porque preciso

Escrever é uma necessidade...  O pensamento chega, o texto se ajusta de forma meteórica e necessita ser externado. Um process...