E começa o programa. Pessoas de temperamento diferentes, cuidadosamente
selecionadas, são confinadas numa realidade paralela, por prazo indeterminado. Os
participantes chegam cada um a seu tempo, em variáveis intervalos. De olho em
tudo, visão biônica, audição e olfato apurados, tato às vezes equivocado, ela:
a Big Mother, que acompanha a rotina em tempo real:
Câmera 1: cozinha. Tininha
abre os armários e joga vasilhas e panelas no chão. Tenta escalar o fogão. Joga
uma bola dentro da pia cheia de louça suja. Sobe na mesa e começa a dançar.
Tenta colocar na boca uma ervilha pisoteada.
Câmera 2: banheiro. Marcão
narra minuciosamente a visita ao cômodo: quero fazer xixi; saiu cocô; ainda tem
mais; acabou; peguei o papel; já me limpei; lavei as mãos; coloquei a cueca;
dei descarga; apaguei a luz; fechei a porta. Gritos insistentes até ouvir o ‘tá
bom’ da genitora, que se esforça para cozinhar.
Câmera 3: sala. Alguém silenciosamente picota folhas de
revista e espalha os pedacinhos pelo chão. Deixa cair um copo d´água. Joga o giz
de cera no chão e faz um lindo desenho na parede. Quando interpelado pela
produção, diz que tudo foi obra do ‘Gabriel falso’, pois o verdadeiro estava deitado
no sofá, quietinho.
Câmera 4: quartos. Apesar dos
inúmeros brinquedos espalhados por todos os lados, os meninos insistem nas picuinhas.
A menina pula sobre a cama. Nudez inocente do sapeca que arrancou a fralda
escondido e descobriu as partes íntimas.
No espetáculo da vida real, a divisão de tarefas é inserida aos poucos.
Há momentos de muita tensão e outros de descontração, num ambiente de amor e
companheirismo. Sem muitas festas ou noitadas regadas a bebidas. Nada de
academia de ginástica ou direito de conversa tranquila ao telefone. Torturante
falta de privacidade para as necessidades básicas. Banho controlado, com
duração menor que a permitida nos tempos de apagão. Emergências recorrentes. O
substantivo 'mãe' ecoa constantemente (manobra da produção para enlouquecer a
mulher).
Para os que adoram uma competição, existe a prova do líder. Brothers e sisters lutam pela atenção da mãe e do Big Father, pela propriedade do lado
esquerdo do sofá, para chegar primeiro à porta, pela preferência em apertar o
botão do elevador, dentre outras coisas importantes. Gritos, choros, beijos, raiva,
abraços, quedas, objetos quebrados e discursos quase ininteligíveis também estão no roteiro.
A prova da comida é diária, caracterizada por beicinhos, choramingo e recusa
em comer certos legumes. Quem se alimenta corretamente durante a semana ganha
bônus para guloseimas no sábado e domingo. Claro que não poderia faltar o
quarto branco, por vezes utilizado como cantinho do pensamento para os que
quebram as regras. Como esperado, agressões físicas geram expulsão das
brincadeiras.
No domingo de votação, os participantes mais velhos têm o poder de
decidir quem será o primeiro a escovar os dentes, e o bebê ganha o colar
da imunidade na hora de guardar os brinquedos.
Terça-feira, dia de recapitular os últimos acontecimentos. Às vésperas
do Dia das Mães, o inusitado diálogo:
“_Filho, a mamãe ama ficar com vocês. Adoro o que faço. Qual é o meu
trabalho?
_Ué, nenhum...”
Silêncio na sala. Sorriso disfarçado nos lábios de alguns. Poderá essa
revelação influenciar a opinião do público e mudar os rumos do programa? Será o
fim de Big Mother?
Claro que não. Apesar dos protestos dos bem-intencionados e melhor
educados, nada afetará a continuidade daquele show. Ali não há eliminado. Os
participantes absorvem os erros e acertos, crescendo com a troca de
experiências, e deixarão a casa apenas quando desejarem...
Tristeza para os cultos, mas aqueles que se identificam com o formato sempre
poderão espiar à vontade!
*Uma realização da Central Familiar de Produção. Patrocínio: Sazon e
diversas marcas de margarinas.
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