segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O pavão com o rei na barriga


Sempre a mesma história. O pavãozinho com o rei na barriga chegava, e sua inabalável alegria para os outros animais alardeava. Sorriso aberto, aos quatro ventos bradava: “A festa é minha, esse lugar é meu! Foi você quem construiu, mas não nos damos bem? Problema seu!”
Felicidade desconcertante - de tudo entendia, era exemplo de amor e harmonia, o ambiente dominava, os demais convidados ofuscava. Em cada encontro, o grupo se transformava em plateia daquela ave bem aparentada, e ai de quem ousasse dividir com ela o mesmo espaço ou os mesmos afetos. Alguns bichos, fascinados pelas belas plumas, viam-se obrigados a garantir que a espécie rara não fosse incomodada no hall da fama.
Mas nada agradava o dono da longa e colorida cauda – tudo era chinfrim demais, sempre queriam puxar seu tapete vermelho, nada atingia o seu alto patamar de exigência, fazia questão de provocar os administradores do zoológico. Tragédia anunciada: passadas algumas horas de animação, seu ensaiado deleite se transformava em angústia e reclamação. Festividade para todos encerrada, só restava a energia pesada.
Então o buchicho começou: “Como pode? Tão perfeito, sempre feliz! Será que a majestade dentro dele não é tão rica assim como se diz?”, perguntava a bicharada, cansada de tanta decepção com as tentativas frustradas de festejar com a insaciável ave.
Os animaizinhos fizeram então uma reunião, e decidiram encerrar de vez essa questão. Chamaram o doutor lagarto, e ficaram boquiabertos com o resultado do ultrassom: o pavão, coitado, não tinha o imperador em sua pança! Lá dentro morava um vampirinho mendigo, tão triste, e tudo o que ele fazia era implorar por atenção e rogar por migalhas da alegria alheia. Pobre chupim, de tão solitário que estava, queria companhia na sua amargura e acabava fazendo o pavão colocar o peso da sua infelicidade nas costas não somente dos seres que  repugnava, mas também daqueles que mais gostava.
             Após esse episódio, os amigos do zoo perceberam que quem está realizado não precisa de megafone e que a insistência no desdém vem sempre daqueles que querem colocar os outros na sua péssima vibração. Finalmente, viram que era inviável continuar se sacrificando para atender às ávidas súplicas do pavãozinho que, deslumbrado, ainda aguarda o convite para a próxima festa... Mal sabe ele que a bicharada não cogita uma confraternização tão cedo.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O quadro dos meninos felizes

              "Zezé é o legal, mas feio; Dudu é o gênio, mas chato; Mimi é a boazinha, mas  doida"
         Rótulos são bastante perigosos, principalmente aqueles estabelecidos por familiares e pessoas mais próximas.  O problema é que, de tanto ouvi-los, a criança pode passar a se definir por eles. Como ela ousaria duvidar daqueles que, em tese, a conhecem melhor que ninguém?
             Podemos ser bem-intencionados, mas, como humanos, cometemos inúmeros lapsos ao falar sobre e com os nossos filhos. Seja num momento de impaciência, na hora de resolver uma briga ou em uma conversa com os amigos, vira e mexe sai um comentário não muito legal ou  exageradamente bom.  A criança, que ouve sempre as mesmas observações, percebe como é notada pelos outros, passa a reforçar o comportamento que teve tanta repercussão e faz dele um hábito, por vezes não muito saudável. Aqui em casa não é diferente.
Certa vez, um adulto disse a um dos meninos que ele não poderia ser o baterista da bandinha, porque não levava jeito para tocar o instrumento (de brinquedo!) e o bom nesse departamento era o irmão. Por mais que nós explicássemos que não tinha nada a ver e que ele podia tocar o que quisesse, demorou quase um mês para ele deixar de falar que era incapaz de usar a bateria.
Um tem medo do escuro, de cachorro e de ficar sozinho. Começou a dizer que era medroso diariamente e a usar essa palavrinha para justificar várias recusas.  Sempre dizia que tinha muita vergonha, que não conseguia fazer muitas coisas, que era muito lento, e por isso decidiu não se empenhar em algumas atividades.
O outro descobriu que ser bravo o tornava diferente dos demais. E deu para reclamar de tudo, dar chilique, fazer birra... Não adiantava dizermos que ele não precisava fazer coisa feia para chamar nossa atenção, pois ele estava decidido que seria o nervosinho da casa. Pior, dizia que não era feliz. Por quê?  ‘Ué, porque eu sou bravo, né!’
Foi então que me veio à cabeça uma atividade usada nas aulas de inglês. Basicamente, os alunos escrevem ou colam adjetivos positivos nas costas dos amigos, e ao discuti-los revisamos seus opostos. Adaptei a ideia à idade da galerinha e montamos juntos o “quadro dos meninos felizes”. 
Levando em consideração nossa realidade, imprimi e recortei alguns adjetivosBase na cama, colamos primeiro as fotos deles. Cada um colava uma palavra no quadro e conversávamos sobre ela. Expliquei, por exemplo, que ter medo de algumas coisas é normal e isso não faz dele uma pessoa medrosa, pois tem coragem para realizar muitas proezas. Que uma pessoa brava não é obrigatoriamente triste - ele pode ser feliz e ter momentos de nervosismo, é natural reclamar de vez em quando. Que é amigo e simpático quando empresta os brinquedos, que é esforçado e o importante é tentar, que consegue ser rápido em muitas atividades, que é amado por nós de qualquer maneira, etc.
Para finalizar, eles colaram alguns adesivos e fixei a montagem na parede do quarto. Durante alguns dias, reforçamos todas as palavras antes de dormir, e atualmente o quadro é utilizado em vários momentos de choro ou elogios. Resultado: eles se orgulham e continuam decorando a ‘obra de arte’, e faz um tempinho que não os ouço se autodesqualificando.
Evidentemente, consigo detectar as inclinações e as características marcantes da personalidade de cada filho. Mas não posso rotulá-los e induzi-los a permanecer nessa embalagem, pois a criança de hoje não necessariamente determina como será o adulto de amanhã. Até mesmo aplausos excessivos podem gerar muita pressão nessas cabecinhas.
Escorregões de minha parte ainda acontecem? Sim, e certamente continuarão a ocorrer, assim como eles sempre ouvirão críticas negativas ou supervalorizadas de várias outras pessoas. Mas o importante é que eles cresçam conscientes de que ninguém é perfeito, que nossas qualidades e defeitos são variáveis conforme a situação e percebidos de diversas formas, dependendo muito do interlocutor.
Meu desejo é que eles tenham discernimento para: não depender de terceiros para se valorizar; não se definir pela opinião alheia; moldar suas atitudes às necessidades do momento e reconhecer suas falhas; achar graça e conviver bem com algumas limitaçõesnão absorver em absoluto e para todo o sempre qualquer adjetivo, bom ou ruim, mesmo que lhes tenha sido imputado por mim. 
          Enfim, que entendam a diferença entre dizer: “Eu ESTOU chato/triste/bravo” e “Eu SOU chato/triste/bravo"            
                A tarefa é árdua, mas não custa tentar...
       

      

domingo, 16 de setembro de 2012

Fobia de salão


E lá está Amora, totalmente afônica, esperando sua vez no salão de beleza. Revista na mão, mal vê a hora de sair daquele lugar.
No dia anterior, havia se submetido ao torturante encontro com a manicure e pedicure. Sessão solene, que ocorre apenas em função de eventos especiais e irrecusáveis, pois ela nunca firmou compromisso semanal para tirada de cutícula acompanhada das últimas fofocas. Uau, já faz dois anos... Epa, esmalte vermelho e berrante, nem pensar! Ela tem seu kit caseiro básico, utilizado em momentos de necessidade (ou quando vem um raríssimo desejo).
Logo nos cumprimentos, avisa que está com uma laringite da braba, na esperança de que não seja submetida ao interrogatório feito pela profissional já íntima e curiosa pelas novidades. Mas não, parece que esses colunistas verbais vivem de notícias, querem saber da sua vida a qualquer custo. Na tentativa de ser simpática, a cliente se esforça para responder com sofridos sussurros.
Finalmente a cabeleireira religiosa desiste do diálogo truncado e passa a pregar para as colegas de trabalho, deixando a mulher livre com seus pensamentos. Ah, mas que pensamentos... Nas sacudidas durante a eterna lavagem dos cabelos, impossível não relembrar os traumas pelos quais passou desde o início da adolescência.
A primeira (e última) visita à depiladora. Terrível a lembrança daquela posição ingrata, deitada na cama de frente e de costas, com as pernas abertas e partes íntimas quase tocadas por uma estranha que lhe arrancava os pelos. O que era aquilo? Desde quando alguém tinha que se submeter a tanto constrangimento para ficar com a pele lisinha? É claro que a tímida moçoila deu seu jeito, e desde então realiza sozinha sua depilação: lâmina, cera quente ou fria e até o depilador elétrico (ela reclamou bastante no começo, mas agora é fã).
Qual será o corte? A ‘colega’ ao lado, com a cabeleira besuntada de tinta, insiste: ‘Você nunca tingiu? Zenaide, olha que cabelo macio! Qualquer penteado fica bom aí.’ Mas Momora, como é comumente chamada pelos mais próximos, dispensa aquele blá blá blá e só ouve o sotaque da sua terra... Como é bom esse tom acaipirado!
 A iniciação na retirada da sobrancelha (e despedida também). A mãe carrasca, provocando os gemidos com a pinça, e o terror diante do espelho: como ela andaria com aquele desenho fino e certinho acima dos olhos? Prefere sua sobrancelha na espessura natural, e o máximo que faz é retirar o excesso - quando se lembra, quando dá vontade.
Quarenta minutos depois, Amora pensa no tempo perdido naquela cadeira. Quanto mais terá que aguentar?  ‘Quer que eu coloque o cabelo no lugar?’ Hã? Não sabe o que isso significa, mas libera a coiffeur para finalizar. Tudo para ir embora - já está com gastura, dá até falta de ar!
Dois acontecimentos memoráveis por suas conquistas, mas tenebrosos por suas exigências: formatura e casamento, com os tormentos do cabelo arrumado e da detestada maquiagem. Na preparação para o último evento, obrigou o maquiador a lavar o seu rosto e fazer uma montagem mais branda. Ele usou o mínimo que pôde e ela, mesmo assim, não se enxerga quando vê nas fotos a pintura feita sobre a ‘massa corrida’ passada em seu rosto (piadinha inventada pelo irmão). A complicada acha que basta uma maquiagem suave, apenas com batom, lápis fraquinho e rímel transparente. Gosta da beleza natural do dia-a-dia, não a da ilusão que vai embora quando a cara é lavada.
Oh Senhor, o puxão da escova! Será que é preciso tanta força? Se quiser descarregar a raiva, compra um saco de pancada ou vai lutar boxe, praticar muay thai...
Uma hora e meia, serviço acabado, ela abre o sorriso amarelo e diz que gostou do visual: o cabelo escorrido, virado para fora, que deixa seu rosto maior e esquisito. É a última moda, por que não variar as madeixas ligeiramente onduladas? Pelo menos não se rendeu ao super topete com coque banana desleixado. A assistente aprendeu no YouTube, tão bem bolado!
E lá se vai Amora, absorta, a caminho de casa. Recorda os avisos e conselhos ouvidos de todos os lados: ‘Compra um vestido e umas saias, parece um homem usando só calça!’; ‘Vai passar um batom, seus alunos merecem uma professora mais bem-arrumada!’; ‘Não admita que seu namorado te impeça de usar frente-única, decote ou minissaia!’, ‘Ouça sua avó, a obrigação da mulher é estar limpinha e cheirosa quando o marido chega!’; ‘Marca um horário com a Tônia, ela faz sua unha rapidinho!’, ‘Vá tomar um solzinho, parece leite condensado!’
Tanta insistência e incompreensão, nem as famosas merecem... Até parece que é crime sair na rua de cara limpa e sem estar periquitada! 
Morinha (que delicada) veste calça porque se sente mais à vontade, não troca o conforto pela dor e boniteza do salto alto, descarta roupas curtas e decotadas porque detesta mostrar o corpo, se satisfaz com as unhas bem aparadas, odeia marcas de biquíni (prefere morrer branquela a ser bicolor), recebe o marido no estado em que as circunstâncias permitem, não dá a mínima para qualquer tendência da moda.
 A dama tem seu estilo peculiar, sabe o que é saudável e quer cuidar do corpo, mas jamais se renderá à ditadura da beleza e à rotina do salão. Até gostaria de fazer amizade com a manicure, eleger o cabeleireiro favorito e fazer a depiladora de confidente; são pessoas dedicadas, divertidas, que passam energia positiva e elevam a autoestima da mulherada. Mas não coloca culpa na falta de tempo, tampouco no excesso de atribuições... É que ela pulou a fila da vaidade física, portanto fica impossível ser feminina demais nessa vida.
Parece que será sempre assim, a difícil tarefa de se embelezar e vestir trajes de festa, as questões que nunca vão embora: Por quê? Para quê? Quem foi a/o maldita/o que inventou tanta frescura? Sem lamúrias, pois hoje não tem para onde correr... E daqui a seis meses, outro casório – quase tudo de novo!

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Rumo à festa, Amora ouve: ‘Mãe, que cabelo é esse? Tira esse esmalte... Minha tia usa, toda mulher usa, mas você não!’   

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Fofoca: tenho que contar que o esposo de Momô (que dengo), para tristeza de alguns, concorda inteiramente com ela e também não gosta de unhas pintadas, cara borrada (palavras dele) e vestimentas sofisticadas. Como pode elogiar alguém que está de jeans e camiseta, com o cabelo desgrenhado?!

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Hoje não, muito obrigada!


Tenho recebido convites novos, para péssimos programas antigos.
Propagandas amáveis e tentadoras de peças teatrais com um velho conteúdo pernicioso, superado após anos de sofrimento? Agora não, agradecida.
Ingressos para filmes remasterizados, que não abandonaram o roteiro suspeito da manipulação e do suspense? Sinto dizer que eu aboli a escuridão do meu cinema.
Chamados para assistir à reprise da novela onde o protagonista apanha e chora até o final, mas o bandido é poupado por se fazer de louco e bonzinho? Essa não vale a pena ver de novo.
Sorteios de presentes e elogios, realizados com o intuito da aproximação que leva ao tão conhecido tripúdio? Recuso, pois isso nunca me atraiu.
Encontros ditos amistosos, com conversas que sempre levam a discussões de longa data, temerosas e inacabáveis? Agradeço, mas não tenho tempo.
Participações em ladainhas maquiadas ou problemas sem o enfrentamento imprescindível? Negativo, qualquer opinião será malvista.
Reuniões nas quais pensamentos divergentes não chegam a lugar algum e só resultam na exposição de críticas já aparentes? Desculpem-me, não posso ir.
Viagens cansativas com destino aos momentos de submissão e desprezo do passado, felizmente abandonados com o amadurecimento? Parece que as passagens se esgotaram e o meu lugar não é mais aí.
Entendam como quiserem, mas declinarei desse tipo de solicitação sem pestanejar, nada de rodeios ou desculpas esfarrapadas. É que a vida está melhor do que há um ano e a alma mais leve que no mês passado, portanto não tenho motivos para retomar neuroses antigas ou reviver experiências doloridas. Eu quero convites interessantes, reencontros e filmes alegres, reuniões edificantes, viagens memoráveis, diálogos com boa vontade. 
Se eu desejo pegar o primeiro retorno ou seguir a trilha para qualquer ferida? Hoje não, muito obrigada. Meu foco é outro, tenho minha missão para cumprir na vida.

terça-feira, 31 de julho de 2012

A caixinha


Queria caber numa simples caixinha
Lá ficar por cinco minutos sozinha
Escondida de qualquer pensamento

Do cansaço de procurar um porquê
Da insistência em  saber para quê
Sossegar a mente por um momento

Ignorar a menor falha cometida
Esquecer a menos dolorosa ferida
Dar ao coração um mínimo alento

Mas não conseguiria fácil assim
Seria impossível eu fugir de mim
É melhor refletir junto ao vento



terça-feira, 26 de junho de 2012

Saudade de quem não foi


“Um dos piores tipos de saudade é conviver com uma pessoa, mas sentir saudade do que ela era”. (autor desconhecido)

Concordo plenamente, pois além de ser negativa para quem a sente, ela é extremamente nociva para aquele que é o objeto desse pesar. E o desastre aumenta quando o nostálgico decide verbalizar a decepção e insistir para que o outro aja como no passado, ignorando veementemente as justificativas dadas. Convenhamos, esperar isso de alguém é de certo modo egoísta, e receber esse tipo de cobrança é um peso e tanto!
Transformações são inevitáveis: os pais fazem coisas das quais discordavam quando você era pequeno, a amiga de longa data não se comporta mais como a engraçada adolescente, o amado deixa de lado alguns hábitos do começo do namoro, a irmã apresenta ideias diferentes das que costumava, o filho torna-se diferente daquele que dividiu o teto contigo por anos e ficava na barra da sua saia... 
Duvido que quem fica obstinado para matar esse tipo de saudade seja exatamente a mesma pessoa há décadas, figura rara na natureza que não muda com o passar do tempo.  Quem não abre a mente ao sair de casa para estudar, não adquire novos costumes ao se casar, não tem a visão de mundo alterada com os tropeços de sua existência, não enxerga coisas de modo diferente depois de ter um filho, não aprende algo a cada trabalho?  E isso é bom, significa que não somos múmias nem bitolados, que somos capazes de assimilar os eventos e nos moldar a cada capítulo da vida.
É normal sentir saudades de certas fases e relembrar as características antigas do companheiro e dos  familiares ou amigos. Entretanto, não me parece natural ignorar a realidade e recusar-se a aceitar as mudanças que ocorreram na personalidade deles. O que se vivenciou junto sempre fará parte de uma bela história, e a afinidade tem o poder de superar meras diferenças de posicionamento ou alterações inofensivas de comportamento. 
           Se a pessoa mudou radicalmente e os pontos de vista são inconciliáveis, de modo a tornar a convivência demasiado dolorosa, talvez seja hora de repensar a relação e dar a ela um novo rumo. Mas se o convívio é inevitável ou o afeto por aquele que já não é mais o mesmo persiste, por que não dialogar sobre o assunto e tentar entender a 'nova' cabeça do outro para fazer alguns ajustes?
Muitas vezes gostaríamos que tudo continuasse como antes, mas se desejamos manter um relacionamento saudável é preciso abandonar o lamento e ficar com as boas lembranças. Curtir os momentos e usufruir do que a pessoa pode nos oferecer hoje, sempre cientes de que, muito provavelmente, num curtíssimo prazo estaremos um pouquinho diferentes. Enquanto não nos conformarmos com a 'perda', é melhor trabalhar a saudade internamente e evitar pedir ao outro o impossível, privando todos dos sorrisos vazios, das maçantes lamúrias e dos constantes aborrecimentos. 
             Qual o a lógica de sofrer e fazer sofrer ao insistir em nutrir saudades de um passado que não volta, sendo que a pessoa querida está bem ao nosso lado? Ruim mesmo é sentir falta daqueles que foram para o outro plano e jamais retornarão. 

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Empatia da boca pra fora


Como mencionei no post anterior, algumas pessoas não demonstram empatia verdadeira diante da adversidade alheia. Olham para quem está com dor e somente enxergam um corpo saudável por fora e alguém com as faculdades mentais perfeitas. Confundem o repouso forçado com um descanso deliberado, a licença do trabalho com deliciosas férias de dois meses, a viagem para tratamento de saúde com um planejável passeio turístico.
Na recusa em reconhecer a cena como se apresenta, desconsideram o olhar cansado, o emocional esgotado e o esforço para se preservar de mais aborrecimentos, e continuam com o velho hábito de cobrar, desafiar, reclamar ou criticar, sempre visando o próprio bem-estar. Não importa o quão péssimo seu dia-a-dia esteja, insistem em tentar moldar sua personalidade e querer de você o impossível, concluindo que só vale a pena ter uma boa convivência e ajudar de fato se tudo está conforme a cartilha deles. Claro que o discurso é sempre lindo e de quase fazer chorar, mas a prática é bastante diferente.
A princípio pode parecer uma coisa ruim, mas na verdade é uma bênção. Após um tempo vem a consciência de que alguns laços emocionais são como nós muito apertados, que efetivamente te deixam atado e te impedem de seguir em frente. Fica claro que é perda de tempo esperar uma atitude inovadora de aborrecedores crônicos, e que chegou a hora de se desapegar. Por mais contraditório que pareça, cortar determinados vínculos é a melhor opção e o principal passo para conseguirmos ultrapassar certas barreiras. Isso te fortalece e você descobre que o consolo tem que partir de dentro para fora e que a ajuda virá sempre que necessária, muitas vezes de quem nunca se esperaria.
Procuro usar os contratempos para analisar minhas próprias atitudes, pois acredito que tudo que acontece vem para nos ensinar algo e incentivar alguma mudança de comportamento. Não sei se consigo, mas eu tento. E diante dos últimos, tenho pensado em como somos injustos (sim, eu me incluo no grupo) ao julgar o estilo de vida, os relacionamentos cortados, as decisões tomadas por conhecidos e parentes. 
Criticamos com base em nossas próprias experiências, pois não compartilhamos o que de fato eles vivenciam. Vemos um sorriso no rosto, mas não sabemos se ele simboliza a alegria da sorte ou a força de quem enfrenta um furacão. Ouvimos uma versão dos fatos, mas não procuramos a contraprova no outro lado. Nunca temos noção se o outro é capaz de lutar sozinho contra os obstáculos que aparecem, pouco podemos ou queremos fazer para ajudá-lo, mas pontuamos suas falhas rapidamente.
Quantas vezes a realidade nos é mostrada logo após uma dura crítica e percebemos que havíamos tirado conclusões precipitadas. E (ufa!) ficamos aliviados por elas terem se manifestado apenas em pensamento, o qual não podemos controlar, e por termos mantido nossa boca fechada. Se bem que alguns não conseguem, e fazem questão de esparramar nuvens negras na pequenina porção azul de um céu que já está quase todo nublado. 
Com tudo isso eu aprendi que, diante de situações de anormalidade, é melhor usar e abusar da cautela e da sensatez. Pode ser que a melhor ajuda que a pessoa precise naquele instante é que respeitem seu desgaste e a necessidade de tirar prazer do pouco controle que lhe resta sobre sua vida. E o que nos custa deixá-la com o sossego e a paz de espírito necessários para continuar o jogo e passar para a próxima fase? 
Dificilmente conseguiremos vestir a pele do outro e compreender exatamente o que acontece e o que ele sente, mas considerar o momento que ele vive e deixar as próprias opiniões e exigências de lado parece mais fácil. 


"Eu pudia tá matano, tá robano ou traficano, mais sô limpo i onesto, trabaio i pago minhas conta direitim, num peço nada pra quasi ninguém. Dá pá querditá qui tem neguim quereno mi condená só pruquê num sigo a cartiia dele? Trem di doido, sô!"

Mesma língua, idiomas diferentes


 Na sala de espera do hospital, tivemos a oportunidade de conversar com um outro paciente que passaria pela inoculação de células-tronco. O breve diálogo, que fluiu com o nosso portunhol cara-de-pau e a boa vontade do casal de Costa Brava, será para nós inesquecível. 
Com pouquíssimas perguntas sobre o dia-a-dia e os tratamentos já procurados, descobrimos que estamos na mesma situação (eles há mais tempo), com filhos pequenos, mudanças bruscas na rotina, desafio emocional e necessidade de se crer em uma razão maior para tudo isso.
Muito simpático, ele mencionou um episódio no qual, diante da limitação física para carregar as malas e da possibilidade de perder um voo com a família, não se fez de rogado e, numa atitude desesperada, empurrou a bagagem escadaria do aeroporto abaixo. Rimos muito e nos identificamos com isso porque, de fato, certas ocasiões são tão difíceis que dá uma enorme vontade de cometer alguns desatinos como esse. 
Papo vai, papo vem, e ele: “Muitos não entendem, alguns não compreendem, só ela (apontando para a esposa) sabe realmente o que se passa. Sua mulher vive isso com você, apenas ela enxerga o que você sente de verdade, ninguém mais”. Olhamos um para o outro e acenamos com a cabeça: é assim mesmo!
Como ele bem descreveu, a sensação é de que, por mais que você explique, poucos conseguem ter uma exata dimensão do que acontece. O que é totalmente aceitável, pois nós também não internalizamos com exatidão o que se passa com as outras pessoas. Certamente captamos alguma coisa, mas inúmeras situações são incompreensíveis por quem nunca as enfrentou. 
Quando uma adversidade se instala, poucos chegam perto de compreender 100% sua nova realidade – talvez familiares mais antenados na sua rotina anterior, um casal de amigos que passa alguns dias em sua casa, o vizinho com problema parecido ou um colega de trabalho que acompanha o esforço para realizar certas tarefas. A impressão é de que a grande maioria, felizmente, é capaz de imaginar que algo verdadeiramente penoso ocorre e, apesar de não conseguir mensurar o problema, ajuda muito com sua confortante e alegre torcida. Uma pequena minoria, entretanto, não tem essa empatia.
Depois desse encontro fiquei pensando no quanto os grupos de apoio e autoajuda devem ser significativos para quem precisa dividir as angústias e recarregar as energias, justamente por promover o encontro de pessoas que compartilham as mesmas dificuldades e entendem de verdade o que o outro está enfrentando. 
Enfim, ouvir os relatos do catalão e sua esposa foi surreal e bastante significativo. Pela primeira vez em dezesseis meses, conversamos com alguém que sabe exatamente tudo o que se vivencia nesse período.  Numa tarde estressante e a um passo do desconhecido, tivemos a chance de trocar figurinhas e achar alguma graça das adversidades. Apesar dos diferentes idiomas, sentimos que falamos a mesma língua.

sábado, 16 de junho de 2012

Síndrome de luminária

Não há como perceber a luz nos outros se você tem síndrome de luminária e não se considera passível de ter momentos de escuridão. Tentar se aproximar do divino é bom, mas negar a própria fragilidade como ser humano é burrice.

 *A síndrome de luminária afeta pessoas que se equiparam a espíritos verdadeiramente iluminados por alguma motivação interna ou porque leem e divulgam mensagens bonitas.  O principal sintoma é a insistência em se auto intitular um modelo de luz e pleno amor, justificando todas as suas atitudes na pureza do sentimento. A sequela mais grave assemelha-se a um cabresto, que impede o portador da síndrome de enxergar-se imperfeito como todos os outros, reconhecer as próprias falhas, internalizar o que lê e efetivamente aplicar as ideias e a boa vontade que propaga.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Questão de tempo


          Finalmente chega o tempo de renovação, de reencontrar-se com o que já era: momento de recriar-se graças ao novo que veio do velho. 
Oportunidade única de receber de volta verdadeiros tesouros reproduzidos por mãos estranhas e, por isso mesmo, livres do peso de qualquer história. Partícula singela, célula madre disposta a regenerar-se em ti. 
Foi preciso regressar à origem, enfrentar tempestades e espinhos para encontrar o presente. Mas agora é hora de apenas reconhecer, recomeçar e agradecer. Nada de lamentar, só há motivos para comemorar.
Nas costas sustenta tão somente a esperança e a certeza de que, num piscar de olhos, fica tudo leve: alegremente anda, e corre, e agacha, e levanta, e carrega. Consegue tudo fazer, não vem à memória o que é doer.

terça-feira, 5 de junho de 2012

"¡Vete a la mierda!" ou "No offense taken"?


Recentemente li uma notícia sobre um empresário que foi processado pelo assaltante que invadiu seu estabelecimento e foi ‘injustamente’ espancado. Felizmente, o ‘coitado’ infrator não teve êxito na empreitada e deixou de receber a sonhada indenização por danos morais.
Essa história bizarra me fez lembrar como, no dia-a-dia, geralmente somos condenados por reagir diante de comportamentos inaceitáveis ou questionáveis. Ao demonstrar nosso descontentamento, simplesmente passamos de ofendidos a ofensores dos pobrezinhos que acham que podem falar e fazer o que querem sem que haja alguma contrariedade.
O que aconteceria se, ao ouvir alguém dizer que seus filhos são brancos de doer os olhos e deveriam tomar um pouco de sol, você não optasse por apenas sorrir e respondesse no mesmo nível, pontuando ofensas ao interlocutor? Seria taxado, no mínimo, de preconceituoso ou desrespeitoso, ao passo que o outro não, é claro.*
E se você, em vez de fazer piada, se fizesse de vítima e apontasse as imperfeições físicas de quem que te chama de branquelo, transparente, leite condensado, bronzeado palmito, e ainda brinca que se jogasse seu bebê pelado na parede só veria os olhinhos piscando? O considerariam sem esportiva, certamente.
Como encarariam um xingamento em resposta a imitações notadamente discriminatórias de seu sotaque interiorano, ao desagradável comentário de que você engordou ou emagreceu demais, à sutil insinuação de que sua casa ou seu carro não são bons o bastante? Falta de humor e bom senso, obviamente.
Será que entenderiam se, no lugar de simplesmente ignorar uma desconhecida que palpita sobre o modo como deixa seu bebê no carrinho, você resolvesse devolver no mesmo tom e criticasse o lanche que os filhos dela estão comendo? Lógico que não, seu encrenqueiro problemático.
Qual o grau de loucura se você decidisse não ficar calado diante de ofensas proferidas sucessivamente por um idoso e pagasse na mesma moeda, externando aos quatro ventos os defeitos que nele vê? Incalculável e digno de internação psiquiátrica ou terapia.
Quantas amizades você perderia se não fizesse ouvidos moucos diante daqueles que tentam consolar um filho que você está corrigindo, e pedisse que respeitem sua autoridade e cuidem apenas dos seus? Impossível contar nos dedos.
Que castigo você receberia se, ao invés de procurar entender a cabeça de quem disse uma frase infeliz e ser compreensivo, também não usasse o cérebro adequadamente e tivesse uma reação exagerada? Silêncio, desprezo e falta de um 'desculpe-me por ter iniciado a discussão'.
Quantas lágrimas de crocodilo você faria o bem intencionado derramar, se desistisse de explicar seus motivos diante de uma interferência e rispidamente se manifestasse contra o conselho não pedido? Infinitas e injustas, evidentemente.
A calma é virtuosa, a civilidade é linda, o politicamente correto é necessário e quase tudo na vida tem sua justificativa, mas a verdade é que em certas ocasiões um sonoro e libertador ¡vete a la mierda! se faz oportuno e merecido.   

*Deixando claro que a pessoa de pele extremamente branca também é vítima de piadinhas e bullying desde a infância, o que é bastante nocivo, pois muitas passam a ter vergonha do próprio corpo.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Separar o lixo, reciclar a mente



          Cá estou eu na cidade modelo em coleta de lixo. Barcelona é realmente de impressionar: um sistema subterrâneo atende parte da cidade e nas demais localidades há contêineres em cada quarteirão, sendo que os moradores têm que caminhar um pouquinho para descartar o lixo. Tudo sinalizado e dividido: três para os diferentes tipos de recicláveis, um para alimentos e outro para os demais resíduos (você tem que separar os restos de comida das fraldas e do papel higiênico, por exemplo). Existem lixeiras de todo tipo nos parques e na praia, cestos seletivos nas estações de metrô, instruções para deixar entulho e móveis na rua somente em determinado horário. Há também os garis, um veículo que 'varre' as ruas e incontáveis caminhões coletores que rodam pela cidade o dia inteiro, sendo pontualíssimos na retirada do lixo. 
E o que será que essa região tem em comum com o Brasil, que possui louváveis projetos de reciclagem, mas cuja capital federal ainda nem engatinha nesse sentido?
Não sei ao certo quando a coleta seletiva foi implementada em Franca, mas me lembro de que desde o início a prática de separar o lixo seco foi adotada em minha casa, ao contrário de algumas residências vizinhas. Ainda hoje, a prefeitura enfrenta o descaso de parte da população.
Quando cheguei a Brasília, veio o desapontamento: aquele lugar lindo, centro das decisões políticas nacionais, não possuía um sistema de coleta seletiva. Como era possível, se minha cidade do interior, chamada de provinciana por alguns, a fazia há anos? Falta de vontade do poder público, certamente. Pesquisei sobre o assunto e logo descobri pontos de entrega voluntária de materiais recicláveis no Wal-Mart e no Pão de Açúcar. Comprei um cesto grande e, desde então, em casa separamos tudo e levamos o lixo seco aos referidos supermercados, por vezes aproveitando o momento de fazer compras, outras somente com essa finalidade.
Durante o ano que passamos em Ribeirão Preto, convivi novamente com a coleta seletiva organizada, que também não era levada a sério por uma parcela dos condôminos. A administração do condomínio separava o que poderia ser comercializado e utilizava o dinheiro arrecadado com a venda para melhorar as áreas comuns ou realizar eventos. 
De volta ao Distrito Federal, apresentei o projeto à prefeita da quadra, com um entusiasmo que acabou quando ouvi que já haviam tentado algo parecido, mas que fora abandonado porque muitos moradores despejavam material sujo, o que gerava mau cheiro e aglomeração de insetos. Enfim, o que esperar de pessoas que jogam lixo pela janela (potes de iogurte, fio dental e cotonete usado, etc.) e espalham de tudo pela área de lazer, inclusive comida no parquinho das crianças?  Lá fui eu continuar com minha tarefa caseira, pois não conseguia colocar num só saco sobras de alimentos, caixas de leite e garrafas de plástico.
Alguns dizem não saber como consigo manter esse hábito cuidando sozinha de três crianças pequenas e de um apartamento de menos de 90m2. Eu é que não entendo como pessoas esclarecidas, com condições de ajudar o meio ambiente pelo menos dessa forma, não têm o mínimo de boa vontade e preferem empurrar a responsabilidade para o poder público, como se ninguém pudesse fazer sozinho a sua parte. Por que dizer que é obrigação do governo e só separar os recicláveis se alguém os recolhe na porta, ou afirmar que não participaria da coleta seletiva com a desculpa de que isso dá muito trabalho?
Tudo bem que há aqueles sem a mínima estrutura na vida ou acesso a boa educação e informação, e desses seria desumano cobrar algo para melhorar a sociedade que deles não cuida. Mas se a pessoa tem carro, não poderia alongar a jornada na pia por alguns minutos ou pedir para a doméstica/diarista lavar as embalagens, e depois perder um tempinho para depositá-las num posto de coleta? Seria tão complicado deixar de jogar os jornais, as revistas e as caixas dos novos eletrodomésticos no mesmo lugar onde se descarta o lixo orgânico? 
Claro que é imprescindível um esquema público de coleta seletiva e tratamento de resíduos, aliado a um programa eficiente de conscientização da população por parte do Estado. A atuação responsável do governo certamente é o principal modo de se mudar a mentalidade da maioria, mas acredito que não seria o bastante e possivelmente muitos cidadãos optariam por  não colaborar.
É justamente nesse ponto que digo que os barceloneses não são totalmente diferentes dos brasileiros. Apesar de todo o zelo e da política de incentivo por parte do Ajuntament de Barcelona, você anda pelas ruas e vê lixo espalhado pelo chão, encontra bitucas de cigarro por toda parte, abre o contêiner de resíduos orgânicos e encontra vidro e papelão, sendo que a lixeira destinada a eles está logo ao lado. Nem penso em culpar os estrangeiros, porque estamos em um bairro fora da rota turística, e não vou dizer que chega perto da quantidade de lixo que vemos espalhado em nosso país. Mas que essa de driblar as regras de coleta tem muito a ver com o nosso jeitinho latino de ser e que a herança da colonização deve ser forte, não dá pra negar.
Nos questionamentos internos sobre a validade desse ‘esforço’ (aos olhos dos outros, porque para mim já faz parte da rotina caótica de dona-de-casa), dia desses me ocorreu que temos o luxo de não precisar produzir nenhum alimento que consumimos e poder adquirir uma ampla variedade de produtos higienicamente embalados, regalias impensáveis nos tempos dos nossos pais ou avós. Sendo tão beneficiados pela modernidade, por que não nos empenharmos para lidar melhor com o lixo, dar o exemplo para os filhos e ensiná-los a cuidar do planeta onde vivem e criarão seus rebentos?
Longe de mim ser considerada uma cidadã ecologicamente correta. Falho bastante e acho que faço bem menos do que poderia, principalmente porque não consigo adotar o consumo consciente. Tenho vontade, mas a loucura do dia-a-dia me faz deixar isso de lado, e as embalagens são tantas que geralmente nem cabem naquele cesto e são guardadas em sacolas na dispensa. Pois é, o egoísmo e o apego a certas facilidades e confortos são difíceis de serem abandonados, e eu fico apenas nesse paliativo, como muitos.
Esse não é depoimento para o Fantástico, mas de tudo o que vi na vida (e que foi pouco), posso concluir que, independentemente de onde se mora e dos programas desenvolvidos pelo governo, para que o cidadão tenha disposição para executar a simples tarefa de separar o lixo ou reduzir o consumo de descartáveis, é necessário reciclar primeiro a mente.

sábado, 26 de maio de 2012

Manipulação


E a Carta com a revelação Capital
De que apenas a Veja é ardilosa e fatal.
Ah, IstoÉ história que a Folha inventa...
Época de acusar? Nem o Estadão tenta!
Band e Record num esforço para esclarecer
Os ingênuos que a dona Globo fez emburrecer.
Notícia sem viés político, denúncia inocente?
Quem tem poder pra enganar tanta gente?
Raciocínio em tudo que assiste, escuta e lê.
Mídia isenta e imparcial, nem pague pra ver.
Crer somente em um deles? Longe de mim...
Ser manipulada pra duvidar só do Plim Plim.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Mas é só uma foto! Será?


É engraçado como uma criança inocente aparenta ter mais noção de alguns direitos que muitos adultos letrados, e inesperadamente nos coloca diante de uma situação que põe à prova nossas próprias convicções.
Meu filho de apenas quatro anos anda avesso a fotografias há tempos: reclama de porta-retratos, faz de tudo para se esconder das câmeras, afirma não querer lembrança nenhuma. Essa semana, solicitou de forma incisiva que eu retirasse todas as fotos dele da internet. Na hora, me veio o questionamento: seria coisa de criança, tentativa de chamar atenção digna de ser ignorada, ou deveria eu dar-lhe ouvidos e excluir suas fotos da minha página no facebook? Optei pela segunda opção, e ele acompanhou feliz o procedimento. Por quê?
Porque essa pessoinha, não sei como, já percebeu que uma imagem se relaciona com a personalidade do retratado, que é seu direito não querê-la exposta para os olhares públicos e que ele não precisa explicar a razão de sentir-se mal com a divulgação. E eu, sabendo que isso é verdadeiro, não estaria correta ao abusar da minha posição de mãe e deixar de dar o exemplo que espero dos outros.
Fico realmente intrigada diante de manifestações ridicularizando famosos que tiveram fotos íntimas publicadas na rede sem autorização. Justifica-se tudo na qualidade de pessoa pública dos artistas, chamam-nos de estúpidos por terem guardado as imagens em seus celulares, computadores ou câmeras, invadidos maliciosamente por terceiros. O que será que essas pessoas que criticam as vítimas responderiam à pergunta: e se fosse com você? Quem acessa essas fotos e as divulga de forma vil e dolosa mereceria aplausos por fazer internautas felizes ao visualizá-las ou prêmio pela esperteza? Claro que inúmeras delas responderiam não se importar com isso e que os hackers prestam um belo serviço à comunidade cibernética. Entretanto, a condescendência de alguns não tira do ofendido a prerrogativa de exigir a punição dos culpados, pois mesmo a 'estrela' que tem diversas  imagens estampadas por aí (com sua permissão, diga-se de passagem) continua com o direito de decidir que certos retratos não são passíveis de publicação.
 Voltando ao site de relacionamento, penso que a modernidade virtual tem deixado muitas pessoas abestadas e alienadas, fazendo-as ignorar propositadamente muitos princípios e direitos básicos de qualquer cidadão. Tudo é permitido e qualquer excesso é bonito quando necessário para satisfazer o ego, faz-se ouvidos moucos a apelos legítimos e taxa-se de antissocial ou encrenqueiro aquele que procura zelar por sua privacidade.
Minha filosofia é a seguinte: 1) Cada um divulga em primeira mão o evento que promoveu  e quem quiser postar fotos da festa de aniversário, formatura ou casamento, deve fazer a gentileza de perguntar antes. 2) Quando um parente não é seu amigo na rede social devido a um mau relacionamento, é necessário ligar o desconfiômetro e não divulgar imagens dele no seu perfil. 3) Se um amigo avisou que não gosta de ver sua cara na web, é prudente fazer uso de semancol e contentar-se em publicar fotos das dezenas de pessoas que não se incomodam com isso. 4) É imprescindível o bom senso de não divulgar sem prévio consentimento fotos ou vídeos recebidos por e-mail ou mensagem fechada, pois se o dono da arte quisesse tal exposição, possivelmente o teria feito de antemão. 5) No caso de reprimenda por postagem inocente de imagem alheia, prova-se a alegada boa intenção ao remover a foto imediatamente e sem estardalhaço, e um pedido de desculpas cairia bem. 6) Fotos de outros em trajes íntimos ou de banho?  Indispensável a anuência expressa do dono do corpinho.
Podem falar que eu concordo: sou mesmo complicada e um tanto conservadora, e vê-se que o pequeno ‘do contra’ certamente tem a quem puxar. Acontece que os chatos e esquisitos também têm direitos previstos constitucionalmente, e insistir em contrariá-los é no mínimo indelicado. Acreditem se quiser, mas eu tenho o cuidado de perguntar ao meu marido se posso publicar fotos dele, e acato as respostas negativas.
Obviamente, meu intuito sempre foi mostrar aos amigos momentos felizes com os pimpolhos, mas quando alguém não deseja divulgar sua foto, pouco importa o senso comum e nenhuma diferença faz a motivação de quem a publica: deve prevalecer a vontade do ‘modelo’. Portanto, de agora em diante divulgarei apenas as do mais velho, que já disse gostar de se ver no computador, e do caçula, que ainda não entende dessas coisas.  Acredito que, acatando o pedido do ‘custoso-mirim’ para retirar suas imagens, demonstro consideração pela sua individualidade, e essa simples atitude é capaz de gerar respeito e confiança mútuos, elementos indispensáveis numa relação familiar. Pode ser que num futuro próximo ele mude de opinião e me autorize a publicá-las novamente, e não nego que terei o maior prazer em fazê-lo.
Cá entre nós, que diferença me faz não poder postar essas fotos no facebook se eu posso olhar diariamente milhares delas em meus arquivos, ou melhor, se eu tenho o filhote ao meu alcance para uma conversa legal, um abraço e um cheiro gostoso? Priorizar o que se mostra para o mundo pra quê?

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A melhor viagem


Lúcio foi convidado a entrar num elucidativo labirinto, ao mesmo tempo alegre e sombrio. Nele, poderia seguir por várias rotas, com a opção de reabrir ou fechar definitivamente várias portas. Teria a oportunidade de olhar para si mesmo e procurar nos túneis a luz que o faria enfrentar da melhor maneira possível os obstáculos da vida, que naquele momento mostravam-se grandes e relutantes.
Pensou um pouco, titubeou, mas por fim resolveu arriscar-se na misteriosa jornada.
Devidamente advertido de que fatalmente o encontraria, começou pelo Jardim dos Medos e Limitações. Aproveitando a possibilidade de encarar antigos temores, refletiu sobre suas causas, ponderou as consequências e conseguiu sanar alguns deles. Diante de raízes extremamente problemáticas, preferiu procurar um atalho e deixar a batalha para depois.
 Andou mais um pouco e adentrou o Portal das Escolhas e seus Frutos, onde percebeu que tudo o que lhe acontecera, de alguma forma, decorrera de suas próprias ações. Aceitou que qualquer atitude é passível de criar indisposições: uma frase mal interpretada, uma opinião sincera na hora errada, um posicionamento diante de assuntos que não lhe competem, a inflexão sobre determinados temas. Era a verdade nua e crua, e isso não queria dizer que todas as suas decisões haviam sido equivocadas.
Reconhecendo que muitas vezes ultrapassou a Faixa do Bom Senso na tentativa de autoproteção, constatou que a rebelião é um dos riscos para quem insiste em invadir certos aspectos da vida alheia e admitiu que não era superior o bastante para relevar tudo em silêncio.
Encontrou no fundo do Poço da Personalidade as características pessoais que o haviam levado ao ponto onde se encontrava. Olhou para seu reflexo na água, questionando se seria capaz de abandonar aquelas que faziam parte da sua essência, ou se elas poderiam ser facilmente respeitadas pelos outros. Percebendo que não seria feliz ao insistir em agradar a todos e tentar livrar-se de determinados estigmas, teve a coragem de agarrar-se aos defeitos (ou qualidades, quem sabe) que considerou seus pilares. Assumiu suas fraquezas sem culpa e, para sua surpresa, sentiu-se efetivamente liberto e mais forte.
Percorreu a Avenida dos Remorsos e desculpou-se pelos erros por ele nunca ignorados, notando que muitas vezes era o único atormentado pelas lembranças das próprias falhas.  Refletiu então sobre tudo o que havia lido, compreendendo que a reforma íntima consiste no desejo e esforço de melhorar-se, mas sem a cobrança de atingir a perfeição que não é humana. Aprendeu que a raiva agride mais quem a sente, mas que talvez seja necessário expressá-la para, aos poucos, distanciar-se dela e um dia dizer adeus.
          Na Alameda das Amizades Adormecidas, o prazer de esbarrar nos companheiros de outrora e recordar os bons momentos vividos: peripécias da infância e adolescência, ajudas na escola, companhias em esportes e festas, experiências de faculdade, apoio e aprendizado num estágio, conversas na rádio-corredor do trabalho. Reconheceu a importância de cada pessoa que passou por sua estrada sem lamentar a partida daqueles que, como ele, tiveram que seguir seu próprio caminho. Sentou-se pensativo e percebeu então que, em vez de contar nos dedos os poucos amigos, deveria alegrar-se ao ver quantos afetos guardava na mochila da sua história. Na gaveta do esquecimento, resolveu trancar a mágoa em relação aos colegas cujas respostas havia esperado por anos, conformando-se com as inevitáveis perdas e ausências.
Chegando à adorável Viela dos Passatempos Esquecidos, lembrou-se de como se divertia antes e decidiu retomar atividades bobas que sempre lhe fizeram bem à alma, mas que havia deixado de lado pelas imposições da vida adulta.
Alcançou a saída e notou o efeito positivo da penosa jornada, gritando aos quatro ventos que não havia nada melhor do que analisar-se diante dos aborrecimentos e retirar de si o que sufoca. Estava feliz em descobrir que, para deixar o coração aberto para as benesses que a vida reservava, era necessário reavaliar o que lhe ocupava os pensamentos de forma indevida.
Com o espírito muito mais leve, Lúcio anunciou o fim de um ciclo e o início de uma nova aventura. E concluiu que, apesar de amedrontadora, a mais proveitosa viagem é a excursão que fazemos em nosso interior.


 “Peter, these are the years when a man changes into the man he's going to be for the rest of his life. Just be careful who you change into. This guy, Flash Thompson, he probably deserved what happened. But just because you can beat him up, doesn't give you the right to. Remember: with great power comes great responsibility.” (Uncle Ben, Spiderman)


sábado, 12 de maio de 2012

A jardineira (para minha mãe)


Da janela, a mulher contempla o seu adorado jardim. Atualmente espectadora da vida do cravo, da rosa e da tulipa, ela se recorda dos sacrifícios empenhados para hoje vê-los tão bonitos.
Décadas de renúncia e dedicação, dias e noites de trabalho incansável, cuidados com a roupa e a casa, refeições preparadas com muito esmero, paciência (que às vezes faltava, é claro!), preocupação (será que desaparecerá um dia?), proibição autoimposta para relaxar ou ficar doente... Contratempos e angústias recorrentes, misturados ao sucesso e felicidade constantes numa história que parece não ter fim.
Relembrando-se com orgulho dos tempos em que era o mundo para as suas plantinhas, ela percebe que foi sábia ao permitir-lhes crescer com suas peculiaridades, admirando-as pela beleza singular e respeitando suas limitações. Reconhece as inevitáveis falhas e alegra-se ao ver que, apesar dos erros cometidos, sempre será vista pelas três flores como a melhor jardineira que se poderia ter.
Sim, essa protetora é uma mistura de divindade com humanidade. E isso a faz mais perfeita que as outras ou lhe dá direito para cobranças? Claro que não, pois ela é inteligente e sabe que nunca haverá dívidas para com aquela que cumpriu lindamente a sua missão. Ainda tolerante com os lapsos e a imaturidade das plantas, seu coração transborda de alegria ao ver nos olhos delas a eterna gratidão. Satisfeita em ser vista como um exemplo por quem agora tem uma família para cuidar, ela toma pequenos gestos de afeto e respeito como retribuição pelo seu impagável desvelo. 
Semeadora que não detém as sementes, a caridosa mulher tem consciência de que apenas colaborou para que elas germinassem e descobrissem as possibilidades que a vida traz. Mostrou-lhes o universo, educou-lhes para que pudessem fazer suas escolhas e hoje age com sensatez, raramente interferindo nas decisões tomadas pelos seres adultos, que têm o horizonte como opção. Escultora de almas, ela entende que a mãe é uma artista de obras inacabadas e responsáveis pela própria evolução.
E as flores? Cada qual em seu caminho, observam a senhora na janela, agradecendo pelos anos de total servidão e por serem aceitos como realmente são. Na árdua empreitada de tomar  conta dos próprios rebentos, já são capazes de reconhecer o suor da genitora para criar-lhes, enxergando nas suas rugas ou pintas as marcas do amor incondicional. Reparam com carinho na pele envelhecida, nos olhos cansados, no corpo dolorido e gasto pelos anos de labuta forçada. Como mínima recompensa e sinal de apreço, passam a ver na mãe uma amiga a quem sempre poderão recorrer nos casos de emergência, mas que necessita de férias ou aposentadoria da mais bela profissão.
A mulher então começa a resgatar seus sonhos e retoma o cultivo de seu canteiro interior, deixado de lado pelas obrigações inadiáveis. Percebendo que atualmente pode e deve descansar um pouco,  ela inicia uma outra etapa, cuja meta é SER, colocando-se disponível para as flores que precisarem VIR ao seu encontro em busca de ajuda. É tempo de ser(vir).
 Mãe é para sempre, mas servilismo absoluto, não. Tarefa cumprida e flores formadas, chega o momento da libertação. Vem a hora da mulher renovar-se, olhar para si mesma e fazer florescer um novo campo, desvinculado do terreno aprisionante da maternidade. 
E então, quem vai cozinhar no domingo de Dia das Mães? 

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Big Mother – enésima edição



E começa o programa. Pessoas de temperamento diferentes, cuidadosamente selecionadas, são confinadas numa realidade paralela, por prazo indeterminado. Os participantes chegam cada um a seu tempo, em variáveis intervalos. De olho em tudo, visão biônica, audição e olfato apurados, tato às vezes equivocado, ela: a Big Mother, que acompanha a rotina em tempo real:
Câmera 1: cozinha. Tininha abre os armários e joga vasilhas e panelas no chão. Tenta escalar o fogão. Joga uma bola dentro da pia cheia de louça suja. Sobe na mesa e começa a dançar. Tenta colocar na boca uma ervilha pisoteada.
Câmera 2: banheiro. Marcão narra minuciosamente a visita ao cômodo: quero fazer xixi; saiu cocô; ainda tem mais; acabou; peguei o papel; já me limpei; lavei as mãos; coloquei a cueca; dei descarga; apaguei a luz; fechei a porta. Gritos insistentes até ouvir o ‘tá bom’ da genitora, que se esforça para cozinhar.
Câmera 3: sala.  Alguém silenciosamente picota folhas de revista e espalha os pedacinhos pelo chão. Deixa cair um copo d´água. Joga o giz de cera no chão e faz um lindo desenho na parede. Quando interpelado pela produção, diz que tudo foi obra do ‘Gabriel falso’, pois o verdadeiro estava deitado no sofá, quietinho.
Câmera 4: quartos. Apesar dos inúmeros brinquedos espalhados por todos os lados, os meninos insistem nas picuinhas. A menina pula sobre a cama. Nudez inocente do sapeca que arrancou a fralda escondido e descobriu as partes íntimas.
No espetáculo da vida real, a divisão de tarefas é inserida aos poucos. Há momentos de muita tensão e outros de descontração, num ambiente de amor e companheirismo. Sem muitas festas ou noitadas regadas a bebidas. Nada de academia de ginástica ou direito de conversa tranquila ao telefone. Torturante falta de privacidade para as necessidades básicas. Banho controlado, com duração menor que a permitida nos tempos de apagão. Emergências recorrentes. O substantivo 'mãe' ecoa constantemente (manobra da produção para enlouquecer a mulher).
Para os que adoram uma competição, existe a prova do líder. Brothers e sisters lutam pela atenção da mãe e do Big Father, pela propriedade do lado esquerdo do sofá, para chegar primeiro à porta, pela preferência em apertar o botão do elevador, dentre outras coisas importantes. Gritos, choros, beijos, raiva, abraços, quedas, objetos quebrados e discursos quase ininteligíveis também estão no roteiro.
A prova da comida é diária, caracterizada por beicinhos, choramingo e recusa em comer certos legumes. Quem se alimenta corretamente durante a semana ganha bônus para guloseimas no sábado e domingo. Claro que não poderia faltar o quarto branco, por vezes utilizado como cantinho do pensamento para os que quebram as regras. Como esperado, agressões físicas geram expulsão das brincadeiras.
No domingo de votação, os participantes mais velhos têm o poder de decidir quem será o primeiro a escovar os dentes, e o bebê ganha o colar da imunidade na hora de guardar os brinquedos.
Terça-feira, dia de recapitular os últimos acontecimentos. Às vésperas do Dia das Mães, o inusitado diálogo:
“_Filho, a mamãe ama ficar com vocês. Adoro o que faço. Qual é o meu trabalho?
_Ué, nenhum...”
Silêncio na sala. Sorriso disfarçado nos lábios de alguns. Poderá essa revelação influenciar a opinião do público e mudar os rumos do programa? Será o fim de Big Mother?
Claro que não. Apesar dos protestos dos bem-intencionados e melhor educados, nada afetará a continuidade daquele show. Ali não há eliminado. Os participantes absorvem os erros e acertos, crescendo com a troca de experiências, e deixarão a casa apenas quando desejarem...
Tristeza para os cultos, mas aqueles que se identificam com o formato sempre poderão espiar à vontade!

*Uma realização da Central Familiar de Produção. Patrocínio: Sazon e diversas marcas de margarinas. 

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O amor e o poder


Calma, essa não é uma interpretação da famosa e elaborada música da cantora Rosana. É uma reles análise da ligação entre dois sentimentos que nos inflam o ego: o amor e o poder.
Nasce um filho, e com ele um pai e uma mãe. A partir desse momento, essas duas palavrinhas passarão a definir as pessoas que geraram aquele ser único: bancário e pai, veterinária e mãe. É tanto amor, que esses babões não conseguem mais deixar de pensar no fruto de sua união. Possivelmente, todas as suas decisões serão tomadas considerando as necessidades de seus bibelôs.
Bibelôs? Não dá pra negar que muitas vezes os pais tratam os filhos como troféus, dignos de serem protegidos e polidos, mas também ostentados. Quanta felicidade em publicar lindas fotos, noticiar cada progresso, conquista e façanha. Genitores alegres, trocando figurinhas sobre os seus prodígios. Que isso é bom demais e enche o peito, é fato.
E junto desse sublime sentimento, vem o poder. A vida se transforma, vira de cabeça pra baixo, e o pai nem se importa. Agora ele é responsável não apenas por si, mas também por uma criatura indefesa, cujos passos tem o dever de controlar. Que é para o bem do filho, ninguém duvida. A mãe não dorme direito, quer saber tudo o que a garota come, bebe, fala, faz e pensa. Tudo para orientá-la amorosamente, afinal tem mais experiência de vida e nunca desejará seu mal.
Independentemente do estilo de educação adotado, a parceria entre o amor e o poder está sempre evidente. Afinal de contas, permitir ou não certas atitudes, determinar ou apenas aconselhar, ser rígido ou cuca-fresca, estar sempre presente ou às vezes ausente, é decisão unilateral dos pais. Enquanto os herdeiros dependem deles financeira ou emocionalmente, o domínio é inevitável, mas há quem proclame que a obediência e submissão são obrigações filiais eternas.
         Porém, quando os bebezinhos crescem e transformam-se em adultos autônomos, a poderosa aliança amorosa começa a se modificar. Os pais amam, mas não conseguem fazer valer o poder de outrora. Aquele discurso do “eu sou pai e amo, então posso” já não cola mais. Lá se foi o pátrio-poder legal e a filha não dá corda para chantagem emocional, pois acredita que chegou a hora de ditar suas regras, como os pais fizeram com as próprias vidas. A andorinha se liberta e sai de casa para o céu alcançar.
         Não raro, os corações materno e paterno levam um choque. Aqueles que por anos se definiram na árdua e prazerosa tarefa de cuidar da vida dos filhos, de uma hora para outra se veem obrigados a olhar para si mesmos. Era tão bom ocupar o seu tempo com os seres amados, e agora não são donos de mais nada. O que vai preencher o vazio? Pensa que é fácil aceitar o que não se planejou? Como obter a recompensa por tanto sacrifício e dedicação?
       Verifica-se então uma nova fase do amor, condicionado ao crescimento do ente querido.  Alguns pais se tocam com os primeiros sinais de exaurimento do antigo domínio e, apesar da sensação de perda fatal, aprendem a amar sem ter direito. Outros insistem mais um pouco e, por convenção das partes, continuam com migalhas desse poder, agora vinculado à opção do filho em se beneficiar disso de algum modo, ou decorrente de uma necessidade mútua. E há aqueles que nunca desistem, colaborando para que a independência e a autoridade fiquem eternamente presos no ringue, deixando a atuação do amor na plateia.
        Amor incondicional é aquele que se contenta com o que o outro tem para dar, mesmo que os pais acreditem que mereceriam mais. Quanto à perpetuação do poder, não basta querer, e é mais saudável reconhecer e acatar a temida hora. Chega o tempo em que não dá para continuar 'a fim de dividir, no fundo do prazer, o amor e o poder', e deve-se deixar os filhos livres para escreverem sozinhos sua história.

              

domingo, 22 de abril de 2012

Teimosia infantil e (falta de) psicologia na arrumação


Após horas de diversão no parquinho, as crianças pedem para brincar mais um pouco. Cinco minutos depois, a chamada final. A caminho de casa, a energia infantil se dissipa. Sabendo que encontrarão brinquedos espalhados para guardar, os espertinhos se antecipam, lamuriosos:
_Ai mãe, minha perna tá doendo...
_Eu tô muito cansado, tô tonto...
A mãe, que de boba acha que não tem nada, percebe a armadilha e retruca:
_Nem vem, pra brincar não tinha nenhum problema. A ordem é chegar e organizar os brinquedos. Mamãe já disse que é muita gente pra bagunçar, não é justo só ela guardar e as crianças têm que cuidar do que é seu. Lembrem-se do programa ‘Acumuladores’, do canal 55. Alguém quer ficar com a casa daquele jeito?      (Cabecinhas sinalizando o não, sinal de que eles gostam da casa arrumadinha)
Conforme previsto, mesmo depois da milésima edição, retorna o capítulo da luta. Mãe pedindo vinte vezes, meninos se fazendo de surdos (a voz materna é pior que zumbido), muito drama e briga. O tempo passa e os brinquedos continuam lá.
Já estressada e com saudades da época em que ameaçar chamar a Supernanny dava algum resultado, a mãe tem uma ideia. Coloca os filhos para pensar no quarto, pega o rodo e começa a puxar tudo que está no chão, completamente muda. Diante de quatro olhos arregalados e perplexos, ela junta os objetos num canto, finge ligar o celular e prepara o teatro:
_Sr. Arnaldo? É da creche que recebe brinquedos de crianças preguiçosas, que não se importam com o que têm? Ah, sei, tem muitos meninos aí sem nenhum carrinho. Faz o seguinte, pode mandar o caminhão buscar um monte de brinquedos para doação. Meus filhos não guardam nada, é melhor esses bonecos irem para quem dá valor. Um minutinho...
Entra no quarto e vê os coitadinhos com os olhos marejados. Um deles fala:
_Por favor, mamãe. Nós vamos guardar.
_Sr. Arnaldo, eu vou dar um voto de confiança, pois meus filhos estão dizendo que irão ajudar. Mas fique a postos, porque se eles não arrumarem tudo rapidinho, eu ligo pro senhor mandar o caminhão.
Que transformação! Meninos cantando enquanto rapidamente juntam suas coisas, sorrisos pra cá, abraços pra lá. Satisfeita, a mãe coloca tudo nas caixas, explica as vantagens do trabalho em equipe e pensa ter encontrado a solução para o dilema.
Mas sonho de mãe dura pouco e teimosia de criança nunca acaba. Domingo de sol, pedido para guardar os brinquedos que formam um tapete no chão da sala, os meninos com a velha ladainha: corpo-mole e ouvidos moucos para os apelos dos pais.
Calma e propositadamente, a mãe, cansada da bagunça e desobediência rotineiras, liga o aspirador e captura três peças pequeninas. Chama os donos da arte e mostra que ele realmente engole os brinquedos que ficam espalhados, dizendo que tentará salvá-los. O chororô começa. A heroína abre o equipamento, resgata os pobres brinquedinhos e logo acaba com a comemoração dos pequenos:
_ Quantas vezes eu avisei? Dessa vez consegui, mas nas outras nem vou me preocupar.  Quem não quiser perder nenhum brinquedo que guarde todos sempre. Vamos pra sala que vou começar a aspirar.
Milagrosamente, as crianças exaustas se transformam no Flash e no Flecha dos Incríveis. Cena cômica: aspirador funcionando, a mãe afastando os sofás e puxando intencionalmente alguns objetos, os meninos gritando, recuperando os brinquedos e correndo com eles para o quarto. Parado na porta, o pai ri disfarçadamente e tenta entender essa pedagogia infantil do desespero.
Em cinco minutos, a sala está um brinco.  As crianças, de livre e espontânea vontade, começam a recolher os brinquedos jogados no quarto dos pais. Segundos depois chega o mais insistente, desmotivado:
_Mas mãe, se abaixar muito a gente acaba ficando com dor nas costas!
_Verdade, mas se vocês não podem sentir dor, muito menos eu. Já que ninguém pode se agachar, acho melhor deixar tudo para o aspira...
Antes de terminar a frase, ela observa o malandrinho deitado no chão, tentando pegar os brinquedos embaixo da cama. Vapt-vupt!

Escrevo porque preciso

Escrever é uma necessidade...  O pensamento chega, o texto se ajusta de forma meteórica e necessita ser externado. Um process...