segunda-feira, 3 de março de 2014

Privações

23 de fevereiro de 2014

   Nessa temporada de sucessivas privações, sempre me vem em mente que sou abençoada, porque são temporárias, ao passo que, para muitos, elas são permanentes, sem nada que as alivie. Tanta coisa na cabeça, ideias pra colocar no papel, aos poucos vou escrever sobre as experiências.
   Esses últimos dez dias no hospital, em especial, me marcaram bastante, acho que pela privação da liberdade, do contato com o resto do mundo, da sensação de impotência e de estar, literalmente, nas mãos do outros...
Pensei muito nos pacientes que ficam meses, anos nessa condição... Mas pensei demais, e não paro de pensar, naqueles que ficam reclusos em delegacias, presídios e unidades de internação para menores infratores, em celas superlotadas, na sujeira, impossibilitados de se movimentar ou fazer as necessidades básicas com dignidade, relegados ao ócio, sem a chance de produzir qualquer coisa, de aprender algo que lhes desperte a noção do próprio valor e do valor do próximo, submetidos aos horrores que sabemos acontecer nesses lugares.
   Eu estava muito bem assistida, sozinha num quarto arejado, com TV, telefone, internet, cama, sofá, poltrona, comida farta, podia andar pelos corredores, falar com a equipe de enfermagem, via meu marido diariamente, depois passei a receber visitas... E digo, foi horrível, difícil não surtar, na tentativa de sair de lá com a cabeça pelo menos do mesmo jeito que eu entrei, porque, apesar de todas as comodidades, me sentia presa, algum direito essencial do ser humano me faltava.
   E eu não consigo enxergar como nossa realidade prisional pode, de algum modo, recuperar quem quer que seja e devolver para a sociedade alguém melhor do que entrou. Nosso sistema é indigno, é desumano, é cruel. Pena de morte seria presente e libertação para quem está numa situação dessa. Se algum indivíduo se recupera, deve ser pela própria luz, toque divino, sei lá, algo que o despertou e que o faz nunca mais querer voltar para o inferno.
Nada minimiza a torpeza dos crimes cometidos, a dor irreparável das vítimas e seus familiares, criminosos devem pagar por seus erros e a reclusão é essencial em muitos casos. Mas reclusão para tratar gente como animal, sinceramente, não ajuda ninguém. E quem acha que direitos humanos é frescura ou apenas para pessoas 'de bem', coisa de quem defende bandido, deveria pensar um pouquinho fora da caixa e rever seus conceitos.
   Porque no Brasil não temos pena de morte (que não apoio), tampouco prisão perpétua. Sendo assim, diante da realidade de que, mais dia menos dia, esse ser humano (quer queiram ou não, bandido é gente), vai voltar para a comunidade, atravessar a mesma rua que você, estar no mesmo ambiente que seu filho, talvez se apaixonar por um parente seu, qualquer cidadão 'de bem' deveria, mesmo que apenas pelo instinto egoísta de sobrevivência e preservação da própria família, apoiar e cobrar políticas públicas que garantam o cumprimento dos direitos humanos a todas as pessoas. E isso inclui um sistema prisional que trate com dignidade aqueles que você, assim como eu (confesso que é a primeira sensação em muitos casos, depois repenso), acredita merecerem o velho e irracional 'olho por olho, dente por dente'. 
   Vamos lutar pela civilidade e humanidade, minha gente, a evolução foi lenta para chegarmos onde estamos. Até passarinho em gaiola, bicho em jaula e elefante num circo nos causa piedade, não é? Quem acredita no ser humano e na ressocialização não pode ser contra direitos humanos.

   

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