23 de fevereiro de 2014
Nessa
temporada de sucessivas privações, sempre me vem em mente que sou
abençoada, porque são temporárias, ao passo que, para muitos, elas
são permanentes, sem nada que as alivie. Tanta coisa na cabeça,
ideias pra colocar no papel, aos poucos vou escrever sobre as
experiências.
Esses
últimos dez dias no hospital, em especial, me marcaram bastante,
acho que pela privação da liberdade, do contato com o resto do
mundo, da sensação de impotência e de estar, literalmente, nas
mãos do outros...
Pensei
muito nos pacientes que ficam meses, anos nessa condição... Mas
pensei demais, e não paro de pensar, naqueles que ficam reclusos em
delegacias, presídios e unidades de internação para menores
infratores, em celas superlotadas, na sujeira, impossibilitados de se
movimentar ou fazer as necessidades básicas com dignidade, relegados
ao ócio, sem a chance de produzir qualquer coisa, de aprender algo
que lhes desperte a noção do próprio valor e do valor do próximo,
submetidos aos horrores que sabemos acontecer nesses lugares.
Eu
estava muito bem assistida, sozinha num quarto arejado, com TV,
telefone, internet, cama, sofá, poltrona, comida farta, podia andar
pelos corredores, falar com a equipe de enfermagem, via meu marido
diariamente, depois passei a receber visitas... E digo, foi horrível,
difícil não surtar, na tentativa de sair de lá com a cabeça pelo
menos do mesmo jeito que eu entrei, porque, apesar de todas as
comodidades, me sentia presa, algum direito essencial do ser humano
me faltava.
E
eu não consigo enxergar como nossa realidade prisional pode, de
algum modo, recuperar quem quer que seja e devolver para a sociedade
alguém melhor do que entrou. Nosso sistema é indigno, é desumano,
é cruel. Pena de morte seria presente e libertação para quem está
numa situação dessa. Se algum indivíduo se recupera, deve ser pela
própria luz, toque divino, sei lá, algo que o despertou e que o faz
nunca mais querer voltar para o inferno.
Nada
minimiza a torpeza dos crimes cometidos, a dor irreparável das
vítimas e seus familiares, criminosos devem pagar por seus erros e a
reclusão é essencial em muitos casos. Mas reclusão para tratar
gente como animal, sinceramente, não ajuda ninguém. E quem acha que
direitos humanos é frescura ou apenas para pessoas 'de bem', coisa
de quem defende bandido, deveria pensar um pouquinho fora da caixa e
rever seus conceitos.
Porque
no Brasil não temos pena de morte (que não apoio), tampouco prisão
perpétua. Sendo assim, diante da realidade de que, mais dia menos
dia, esse ser humano (quer queiram ou não, bandido é gente), vai
voltar para a comunidade, atravessar a mesma rua que você, estar no
mesmo ambiente que seu filho, talvez se apaixonar por um parente seu,
qualquer cidadão 'de bem' deveria, mesmo que apenas pelo instinto
egoísta de sobrevivência e preservação da própria família,
apoiar e cobrar políticas públicas que garantam o cumprimento dos
direitos humanos a todas as pessoas. E isso inclui um sistema
prisional que trate com dignidade aqueles que você, assim como eu
(confesso que é a primeira sensação em muitos casos, depois
repenso), acredita merecerem o velho e irracional 'olho por olho,
dente por dente'.
Vamos lutar pela civilidade e humanidade, minha gente, a evolução foi lenta para chegarmos onde estamos. Até passarinho em gaiola, bicho em jaula e elefante num circo nos causa piedade, não é? Quem acredita no ser humano e na ressocialização não pode ser contra direitos humanos.
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