14/12/2023 - Dia de celebrar com um misto de sentimentos… Uma comemoração agridoce, eu diria.
Em 14/12/2013, eu passava pela tireoidectomia total. Era um câncer de tireoide assintomático. Apesar da malignidade do tumor, a glândula funcionava perfeitamente e eu não sentia absolutamente nada; estava a todo vapor, cuidando sozinha da casa e dos meninos com 7, 5 e 3 anos.
Como acompanhei meu pai sem tireoide a vida inteira, e ele sempre foi muito ativo - de diferente, só tomava o hormônio pela manhã -, me preparei para a cirurgia na mais pura ilusão, acreditando na propaganda da maioria dos profissionais da saúde de que “é só tomar um remedinho e vida normal”.
Fazia pouco tempo que eu tinha voltado ao peso de antes da primeira gestação. Pensei que nada na minha rotina mudaria, decidi que seria mais feminina e usaria vestidos, então comprei alguns. Mas eu, definitivamente, não nasci pra isso. Em 40 dias, engordei 9 quilos. E daí não parou mais… Os vestidos, nunca usei. Foram doados novíssimos, eis que jamais me serviram.
Resumindo, aquele meu corpo cheio de energia, que não parava nunca e dava conta de tudo e mais um pouco, sucumbiu à ausência da tireoide.
Embora eu tenha passado os dois primeiros meses bem, a retirada do hormônio para a preparação para tomar o iodo radioativo me derrubou. Literalmente. Andar do quarto até a cozinha para beber água, num apartamento de 87 metros quadrados, deixava-me tão cansada que parecia que eu havia escalado o Everest.
Chorei quando tive que colocar o caçula na escola porque eu não conseguia cuidar dele o dia todo, simplesmente não tinha de onde tirar forças.
Tomei o iodo radioativo, e foi aí que o negócio degringolou de vez. Durante o isolamento em casa por causa da radioatividade, a cicatriz abriu. Coisa de cinema. Eu chegava parecendo uma fugitiva no consultório, cuidando pra não contaminar ninguém com a radiação. Saí de casa para o laboratório a pé, de luva e sombrinha, preocupada em não encontrar ninguém no caminho, não contaminar o corrimão que os vizinhos tocariam e, principalmente, em proteger quem coletaria meu sangue.
Parênteses para dizer que quando liguei pra avisar o marido que a cicatriz tinha aberto, recebi a notícia de que o caçula havia acabado de cortar a cabeça num aparelho de academia em frente à pousada onde eles estavam hospedados. O pequeno estava no hospital para tomar pontos e nem chorou.
Diagnóstico de infecção por staphylococcus aureus. Internação às pressas. A saga de chegar à emergência do hospital avisando que estava radioativa, ficar isolada no quarto por 5 dias, e nos outros 3 dias ter a companhia do marido à tarde e receber as visitas dos meninos. Eles saíam da escola, jantavam no Giraffa’s ao lado do hospital e ficavam um pouco comigo. A diversão era comer a sobremesa que a enfermeira levava especialmente para eles.
Tive alta, mas não podia mexer o pescoço. Precisei contratar alguém pra cuidar do caçula pela manhã. Deveria ser grata por encontrar ajuda, mas não tinha coisa pior do que estar em casa vendo alguém auxiliar meu filho no que eu costumava fazer com tanto esmero. A criança precisava de mim e eu estava lá, mas não podia fazer nada; era presente, porém ausente. Cuidar dos meninos era a minha vida, e de repente eu não conseguia mais.
Depois de uma semana em casa, outra cirurgia para retirar o que ficou da infecção. Deu tudo certo.
No entanto… Cadê aquele corpo ativo? E a energia, onde pegar? O que fazer com a rotina de mãe e dona de casa que eu tinha que retomar? Fadiga. Eu não dava conta. Na verdade, nem sei se atualmente dou conta. Só sei que vai indo.
Desde então, a cena que enxergo diariamente é: a vida que eu tenho que viver está lá na frente, desembestada, e eu correndo atrás, tentando alcançá-la. O jeito é me virar com o que dá. É o meu lema do “um período do dia de cada vez”.
Muitos são os agraciados, mas eu não tive a sorte de um organismo que absorve bem o hormônio. Há tempos tranquilos e outros nem tanto. Engraçado que a memória mais forte no mais velho é o quanto eu passei mal por um longo período, além do frequente destempero emocional, é claro. Tão pequenos e tiveram que lidar com isso.
Além disso, a cada desajuste hormonal, vem a luta para emagrecer. Foram 6 anos até ter sucesso com uma dieta e perder bastante peso. Logo após, vi o corpo reagir ao TSH nas alturas, nos primeiros meses da pandemia. Hipotireoidismo severo também no início deste ano, quando tive Covid pela segunda vez, meses depois do segundo êxito em perder uns bons quilos. Enfim, o efeito sanfona é uma constante e acabo de iniciar a tentativa número 3 de afinar mais de 25kg e manter o peso. Acho que já posso pedir música no Fantástico.
Nesses 10 anos, eu vivi o luto de mim mesma. Não foi fácil entender que subi em uma maca por causa de uns resultados de exames, quando não tinha nenhuma queixa de saúde, nenhuma dor, e saí dela pior do que cheguei, sem a menor chance de recuperar o meu estado anterior. Apesar dessa dificuldade, aceitei que a vida não seria mais a mesma e encarei o desafio, sem querer saber o porquê de ele ter chegado para mim. Essa curiosidade e os palpites ficaram por conta das línguas que não estavam na minha pele. Minha missão era passar pelo tratamento e enfrentar os obstáculos que viessem.
A vida mudou e a Cris de 13/12/2013 não existe mais. Meu filho caçula nem se lembra de como eu era, e os mais velhos têm uma vaga lembrança daquela pessoa que um dia fui. Às vezes o coração aperta quando penso nisso, não nego.
Nesses 10 anos, também fui muito abençoada. Tomei posse em um cargo público (fui por incentivo do marido, insisti de teimosa e continuo lá); descobri as vantagens de grupos no Facebook e WhatsApp (por vezes passei raiva); aprendi com as companheiras de cicatriz no pescoço a estudar sobre a tireoide e ser minha própria advogada; evoluí com os médicos que não me compreenderam e encontrei profissionais atenciosos, que fizeram a diferença; enxerguei que devo sempre respeitar os limites do meu corpo; passei por uma mudança de cidade enriquecedora e desafiadora; descobri o sentido de agradecer pelas pequenas coisas, como o simples abrir os olhos pela manhã e conseguir fazer uma pequena faxina ou arrumação em somente um cômodo da casa.
De todas as bênçãos, a maior e mais importante é a oportunidade de ver meus filhos crescerem. Coisas maravilhosas acontecem, mas nada se iguala e nada tira minha alegria em ter esse privilégio. Eu vivo para isso e agradeço cada minuto que tenho com eles.
Nesse décimo ano, decidi relaxar um pouco e aproveitar todas as oportunidades que aparecessem. Fiz tudo o que eu quis e o corpo aguentou. Aproveitei que os meninos estão grandes e viajei sozinha. Foram algumas idas para Franca, sendo três bate e volta para casamentos especiais, e estou me preparando para a última temporada francana do ano. Participei de uma viagem em grupo para Portugal, experiência maravilhosa que quero repetir. Fiquei todos os dias na ranchada da família, evento precioso. Fui a shows. Trabalhei como voluntária no Pop Rua Jud. Permiti-me deixar de lado algumas preocupações e tentei levar as outras de forma mais leve.
Na última consulta, com os resultados de exames excelentes, o endocrinologista disse que, fechado o ciclo de 10 anos, o câncer de tireoide é coisa do passado. Assim seja.
Em uma análise sucinta, é tempo de comemorar ter descoberto o câncer na fase inicial e o sucesso do tratamento, ao passo que é complicado celebrar a perda de uma glândula essencial para o meu bem-estar, porque ela realmente faz falta. Contraditório, eu sei.
É verdade que tudo passa, mas as histórias e, principalmente, as transformações que os desafios trazem, ficam. Por tudo isso, sou grata.
Cristiane A. Ávila
14/12/2023
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