quinta-feira, 31 de maio de 2012

Separar o lixo, reciclar a mente



          Cá estou eu na cidade modelo em coleta de lixo. Barcelona é realmente de impressionar: um sistema subterrâneo atende parte da cidade e nas demais localidades há contêineres em cada quarteirão, sendo que os moradores têm que caminhar um pouquinho para descartar o lixo. Tudo sinalizado e dividido: três para os diferentes tipos de recicláveis, um para alimentos e outro para os demais resíduos (você tem que separar os restos de comida das fraldas e do papel higiênico, por exemplo). Existem lixeiras de todo tipo nos parques e na praia, cestos seletivos nas estações de metrô, instruções para deixar entulho e móveis na rua somente em determinado horário. Há também os garis, um veículo que 'varre' as ruas e incontáveis caminhões coletores que rodam pela cidade o dia inteiro, sendo pontualíssimos na retirada do lixo. 
E o que será que essa região tem em comum com o Brasil, que possui louváveis projetos de reciclagem, mas cuja capital federal ainda nem engatinha nesse sentido?
Não sei ao certo quando a coleta seletiva foi implementada em Franca, mas me lembro de que desde o início a prática de separar o lixo seco foi adotada em minha casa, ao contrário de algumas residências vizinhas. Ainda hoje, a prefeitura enfrenta o descaso de parte da população.
Quando cheguei a Brasília, veio o desapontamento: aquele lugar lindo, centro das decisões políticas nacionais, não possuía um sistema de coleta seletiva. Como era possível, se minha cidade do interior, chamada de provinciana por alguns, a fazia há anos? Falta de vontade do poder público, certamente. Pesquisei sobre o assunto e logo descobri pontos de entrega voluntária de materiais recicláveis no Wal-Mart e no Pão de Açúcar. Comprei um cesto grande e, desde então, em casa separamos tudo e levamos o lixo seco aos referidos supermercados, por vezes aproveitando o momento de fazer compras, outras somente com essa finalidade.
Durante o ano que passamos em Ribeirão Preto, convivi novamente com a coleta seletiva organizada, que também não era levada a sério por uma parcela dos condôminos. A administração do condomínio separava o que poderia ser comercializado e utilizava o dinheiro arrecadado com a venda para melhorar as áreas comuns ou realizar eventos. 
De volta ao Distrito Federal, apresentei o projeto à prefeita da quadra, com um entusiasmo que acabou quando ouvi que já haviam tentado algo parecido, mas que fora abandonado porque muitos moradores despejavam material sujo, o que gerava mau cheiro e aglomeração de insetos. Enfim, o que esperar de pessoas que jogam lixo pela janela (potes de iogurte, fio dental e cotonete usado, etc.) e espalham de tudo pela área de lazer, inclusive comida no parquinho das crianças?  Lá fui eu continuar com minha tarefa caseira, pois não conseguia colocar num só saco sobras de alimentos, caixas de leite e garrafas de plástico.
Alguns dizem não saber como consigo manter esse hábito cuidando sozinha de três crianças pequenas e de um apartamento de menos de 90m2. Eu é que não entendo como pessoas esclarecidas, com condições de ajudar o meio ambiente pelo menos dessa forma, não têm o mínimo de boa vontade e preferem empurrar a responsabilidade para o poder público, como se ninguém pudesse fazer sozinho a sua parte. Por que dizer que é obrigação do governo e só separar os recicláveis se alguém os recolhe na porta, ou afirmar que não participaria da coleta seletiva com a desculpa de que isso dá muito trabalho?
Tudo bem que há aqueles sem a mínima estrutura na vida ou acesso a boa educação e informação, e desses seria desumano cobrar algo para melhorar a sociedade que deles não cuida. Mas se a pessoa tem carro, não poderia alongar a jornada na pia por alguns minutos ou pedir para a doméstica/diarista lavar as embalagens, e depois perder um tempinho para depositá-las num posto de coleta? Seria tão complicado deixar de jogar os jornais, as revistas e as caixas dos novos eletrodomésticos no mesmo lugar onde se descarta o lixo orgânico? 
Claro que é imprescindível um esquema público de coleta seletiva e tratamento de resíduos, aliado a um programa eficiente de conscientização da população por parte do Estado. A atuação responsável do governo certamente é o principal modo de se mudar a mentalidade da maioria, mas acredito que não seria o bastante e possivelmente muitos cidadãos optariam por  não colaborar.
É justamente nesse ponto que digo que os barceloneses não são totalmente diferentes dos brasileiros. Apesar de todo o zelo e da política de incentivo por parte do Ajuntament de Barcelona, você anda pelas ruas e vê lixo espalhado pelo chão, encontra bitucas de cigarro por toda parte, abre o contêiner de resíduos orgânicos e encontra vidro e papelão, sendo que a lixeira destinada a eles está logo ao lado. Nem penso em culpar os estrangeiros, porque estamos em um bairro fora da rota turística, e não vou dizer que chega perto da quantidade de lixo que vemos espalhado em nosso país. Mas que essa de driblar as regras de coleta tem muito a ver com o nosso jeitinho latino de ser e que a herança da colonização deve ser forte, não dá pra negar.
Nos questionamentos internos sobre a validade desse ‘esforço’ (aos olhos dos outros, porque para mim já faz parte da rotina caótica de dona-de-casa), dia desses me ocorreu que temos o luxo de não precisar produzir nenhum alimento que consumimos e poder adquirir uma ampla variedade de produtos higienicamente embalados, regalias impensáveis nos tempos dos nossos pais ou avós. Sendo tão beneficiados pela modernidade, por que não nos empenharmos para lidar melhor com o lixo, dar o exemplo para os filhos e ensiná-los a cuidar do planeta onde vivem e criarão seus rebentos?
Longe de mim ser considerada uma cidadã ecologicamente correta. Falho bastante e acho que faço bem menos do que poderia, principalmente porque não consigo adotar o consumo consciente. Tenho vontade, mas a loucura do dia-a-dia me faz deixar isso de lado, e as embalagens são tantas que geralmente nem cabem naquele cesto e são guardadas em sacolas na dispensa. Pois é, o egoísmo e o apego a certas facilidades e confortos são difíceis de serem abandonados, e eu fico apenas nesse paliativo, como muitos.
Esse não é depoimento para o Fantástico, mas de tudo o que vi na vida (e que foi pouco), posso concluir que, independentemente de onde se mora e dos programas desenvolvidos pelo governo, para que o cidadão tenha disposição para executar a simples tarefa de separar o lixo ou reduzir o consumo de descartáveis, é necessário reciclar primeiro a mente.

4 comentários:

  1. Cris, realmente é muito estranho nao separar o lixo, ja que vivo essa realidade ha tempos, minha mãe também sempre separou. Habito que nao consigo abandonar, simples de seguir. Não consigo ver um potinho de iogurte na lixeira comum, na verdade nem um embrulho de bombom, também não sou perfeita, longe de mim, mas é uma atitude tão simples, que não dá pra não seguir.

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  2. Oi, Cris.
    Finalmente consegui ler seu texto e escrever um comentário, hehehehe!

    Eu também acho que, mais importante que as iniciativas governamentais, é preciso que as pessoas tenham consciência da importância desses hábitos e os pratiquem independentemente da implantação dos serviços públicos. Não quero dizer que o poder público pode então lavar as mãos e deixar por conta da consciência individual. O poder público tem sim que fazer a sua parte. Mas em locais onde não há uma coleta seletiva estruturada, a iniciativa individual pode fazer diferença - mesmo que pareça pouquinho, não é insignificante.

    Lembro que nos idos de 1995, quando ainda morávamos em Fortaleza e coleta seletiva eram palavras estranhas ao nosso vocabulário, lá em casa a minha mãe implantou o sistema. A gente separava tudo em caixas de papelão e, quando elas enchiam, minha mãe levava numa comunidade que trabalhava com reciclagem. Era um gesto muito bonito, infelizmente meio quixotesco porque só ela fazia (com a nossa ajuda). Mas nos incutiu o espírito de reciclagem.

    Hoje confesso que faço bem menos do que gostaria, mas sei que isso é importante.
    Beijos!

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    1. É isso mesmo Alice, um hábito simples de importância enorme... Beijo

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