Da janela, a mulher
contempla o seu adorado jardim. Atualmente espectadora da vida do cravo, da
rosa e da tulipa, ela se recorda dos sacrifícios empenhados para hoje vê-los tão bonitos.
Décadas de
renúncia e dedicação, dias e noites de trabalho incansável, cuidados com a
roupa e a casa, refeições preparadas com muito esmero, paciência
(que às vezes faltava, é claro!), preocupação (será que desaparecerá um
dia?), proibição autoimposta para relaxar ou ficar doente... Contratempos e angústias recorrentes, misturados ao sucesso e felicidade constantes numa história que parece não ter
fim.
Relembrando-se com orgulho dos tempos em que era o mundo para as suas plantinhas, ela percebe que
foi sábia ao permitir-lhes crescer com suas peculiaridades, admirando-as pela
beleza singular e respeitando suas limitações. Reconhece as inevitáveis falhas e
alegra-se ao ver que, apesar dos erros cometidos, sempre será vista pelas três flores como a melhor jardineira que se poderia ter.
Sim, essa protetora é uma mistura de divindade com humanidade. E isso a faz mais perfeita que as
outras ou lhe dá direito para cobranças? Claro que não, pois ela é inteligente e
sabe que nunca haverá dívidas para com aquela que cumpriu lindamente a sua
missão. Ainda tolerante com os lapsos e a imaturidade das plantas, seu coração transborda de alegria ao ver nos olhos delas a eterna gratidão. Satisfeita em ser vista como um exemplo por quem
agora tem uma família para cuidar, ela toma pequenos gestos de afeto e respeito como
retribuição pelo seu impagável desvelo.
Semeadora que
não detém as sementes, a caridosa mulher tem consciência de que apenas colaborou para que elas germinassem e descobrissem as possibilidades que a vida traz. Mostrou-lhes
o universo, educou-lhes para que pudessem fazer suas escolhas e hoje age com sensatez, raramente interferindo nas decisões tomadas pelos seres adultos, que têm o horizonte
como opção. Escultora de almas, ela entende que a mãe é uma artista de obras inacabadas e responsáveis pela própria evolução.
E as flores?
Cada qual em seu caminho, observam a senhora na janela, agradecendo pelos anos
de total servidão e por serem aceitos como realmente são. Na árdua empreitada de tomar conta dos próprios rebentos, já são capazes de reconhecer o suor da genitora para criar-lhes, enxergando nas suas rugas ou pintas as marcas
do amor incondicional. Reparam com carinho na pele envelhecida, nos olhos cansados, no corpo
dolorido e gasto pelos anos de labuta forçada. Como mínima recompensa e sinal de apreço, passam a ver na
mãe uma amiga a quem sempre poderão recorrer nos casos de emergência, mas que
necessita de férias ou aposentadoria da mais bela profissão.
A mulher então
começa a resgatar seus sonhos e retoma o cultivo de seu canteiro interior, deixado de lado pelas obrigações inadiáveis. Percebendo que atualmente pode e deve descansar um pouco, ela inicia uma outra etapa, cuja meta é SER, colocando-se disponível para as flores que precisarem VIR ao seu encontro em busca de ajuda. É tempo de ser(vir).
Mãe é para sempre, mas servilismo absoluto, não. Tarefa
cumprida e flores formadas, chega o momento da libertação. Vem a hora da mulher renovar-se, olhar para si mesma e fazer
florescer um novo campo, desvinculado do terreno aprisionante da maternidade.
E então, quem
vai cozinhar no domingo de Dia das Mães?
Que lindo, Cris!! Depois que me tornei mae, repenso e valorizo todas as atitudes e forca da minha mae, das nossas maes, e reconheco quanto sabedoria havia em cada uma de suas acoes, sempre preservando nossa identidade, nossa individualidade, sempre instruindo com respeito. Sou muito grata e queria ter um pouquinho da nobreza e da coragem da minha mae!
ResponderExcluirMuita luta, né, Carol... E dentre erros e acertos, o que fica para sempre são a sabedoria e o respeito que você mencionou.
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