sábado, 12 de maio de 2012

A jardineira (para minha mãe)


Da janela, a mulher contempla o seu adorado jardim. Atualmente espectadora da vida do cravo, da rosa e da tulipa, ela se recorda dos sacrifícios empenhados para hoje vê-los tão bonitos.
Décadas de renúncia e dedicação, dias e noites de trabalho incansável, cuidados com a roupa e a casa, refeições preparadas com muito esmero, paciência (que às vezes faltava, é claro!), preocupação (será que desaparecerá um dia?), proibição autoimposta para relaxar ou ficar doente... Contratempos e angústias recorrentes, misturados ao sucesso e felicidade constantes numa história que parece não ter fim.
Relembrando-se com orgulho dos tempos em que era o mundo para as suas plantinhas, ela percebe que foi sábia ao permitir-lhes crescer com suas peculiaridades, admirando-as pela beleza singular e respeitando suas limitações. Reconhece as inevitáveis falhas e alegra-se ao ver que, apesar dos erros cometidos, sempre será vista pelas três flores como a melhor jardineira que se poderia ter.
Sim, essa protetora é uma mistura de divindade com humanidade. E isso a faz mais perfeita que as outras ou lhe dá direito para cobranças? Claro que não, pois ela é inteligente e sabe que nunca haverá dívidas para com aquela que cumpriu lindamente a sua missão. Ainda tolerante com os lapsos e a imaturidade das plantas, seu coração transborda de alegria ao ver nos olhos delas a eterna gratidão. Satisfeita em ser vista como um exemplo por quem agora tem uma família para cuidar, ela toma pequenos gestos de afeto e respeito como retribuição pelo seu impagável desvelo. 
Semeadora que não detém as sementes, a caridosa mulher tem consciência de que apenas colaborou para que elas germinassem e descobrissem as possibilidades que a vida traz. Mostrou-lhes o universo, educou-lhes para que pudessem fazer suas escolhas e hoje age com sensatez, raramente interferindo nas decisões tomadas pelos seres adultos, que têm o horizonte como opção. Escultora de almas, ela entende que a mãe é uma artista de obras inacabadas e responsáveis pela própria evolução.
E as flores? Cada qual em seu caminho, observam a senhora na janela, agradecendo pelos anos de total servidão e por serem aceitos como realmente são. Na árdua empreitada de tomar  conta dos próprios rebentos, já são capazes de reconhecer o suor da genitora para criar-lhes, enxergando nas suas rugas ou pintas as marcas do amor incondicional. Reparam com carinho na pele envelhecida, nos olhos cansados, no corpo dolorido e gasto pelos anos de labuta forçada. Como mínima recompensa e sinal de apreço, passam a ver na mãe uma amiga a quem sempre poderão recorrer nos casos de emergência, mas que necessita de férias ou aposentadoria da mais bela profissão.
A mulher então começa a resgatar seus sonhos e retoma o cultivo de seu canteiro interior, deixado de lado pelas obrigações inadiáveis. Percebendo que atualmente pode e deve descansar um pouco,  ela inicia uma outra etapa, cuja meta é SER, colocando-se disponível para as flores que precisarem VIR ao seu encontro em busca de ajuda. É tempo de ser(vir).
 Mãe é para sempre, mas servilismo absoluto, não. Tarefa cumprida e flores formadas, chega o momento da libertação. Vem a hora da mulher renovar-se, olhar para si mesma e fazer florescer um novo campo, desvinculado do terreno aprisionante da maternidade. 
E então, quem vai cozinhar no domingo de Dia das Mães? 

2 comentários:

  1. Que lindo, Cris!! Depois que me tornei mae, repenso e valorizo todas as atitudes e forca da minha mae, das nossas maes, e reconheco quanto sabedoria havia em cada uma de suas acoes, sempre preservando nossa identidade, nossa individualidade, sempre instruindo com respeito. Sou muito grata e queria ter um pouquinho da nobreza e da coragem da minha mae!

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    1. Muita luta, né, Carol... E dentre erros e acertos, o que fica para sempre são a sabedoria e o respeito que você mencionou.

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