Sempre achei
perigoso esse negócio de se levantar bandeiras e criar estereótipos. Por isso,
não consigo ficar indiferente quando ouço que as pessoas desprovidas de bens
materiais são coitadas e vítimas, ao passo que os mais abastados conseguiram tudo de
mão beijada e lhes são devedores.
Obviamente, não
se pode ignorar que muitas pessoas são realmente necessitadas e, apesar de esforçadas,
nunca tiveram oportunidades na vida ou foram fadadas ao infortúnio. Entretanto,
não há como tapar os olhos e deixar de enxergar que muitos são como a cigarra -
gastam o que têm e mais um pouco para aproveitar o dia, enquanto outros são como
as formigas - se privam de muitas coisas para conquistar algo com seu próprio
suor.
Quando você chega
na casa dos trinta com relativa estabilidade financeira, muitos só enxergam o
que você tem, sem questionar como você alcançou esse patamar. Até aqueles que
sempre te acompanharam preferem desconsiderar seu histórico, dizendo que para
você dinheiro nasce em árvore.
Pois é, cada
um enxerga as coisas como lhe convém...
Alguns
desconhecem que, enquanto muitos se divertiam e entravam no crediário para
comprar itens supérfluos e amaciar o ego, você “perdia” tempo com livros,
conciliava trabalho e estudo e, para poupar, deixava de ter o celular de última
geração, de frequentar restaurantes charmosos e caros, de renovar o
guarda-roupa, tampouco fazia as viagens dos seus sonhos.
Ninguém quer
saber que, para realizar um casamento simples e adquirir a sonhada casa própria, você
vendeu o único carro e se virou a pé ou de ônibus por meses. E que apesar de ser
alvo da piedade de alguns por morar numa quitinete, viver naquele imóvel tinha
um sabor muito especial de conquista.
Poucos se interessam
em saber que você tinha dois empregos e labutava literalmente dia, tarde, noite e
madrugada, de segunda a sábado ou domingo. Que encontrava seu cônjuge por no máximo vinte
minutos por dia durante a semana. Que o sono era sacrificado, os passeios
limitados, e você ainda ouvia ofensas por se importar demasiadamente com
o futuro.
As pessoas te
criticam por se tornar uma dona de casa e acham que para você a decisão foi
fácil, considerando o emprego do marido, e nem perguntam o quanto você
trabalhou durante quase doze anos para colaborar na construção do patrimônio do
casal.
Deve ser bem
mais fácil atribuir o sucesso alheio à sorte...
Mas não digo
que conquistamos o que temos com sacrifício, pois na realidade não perdemos
nada, apenas priorizamos a independência. Foi uma escolha deixar para curtir a vida mais tarde, tínhamos nossos
planos para uma velhice segura e divertida.
Planos e
sonhos? Ah, tá bom. Vem a vida e nos mostra que possivelmente não
conseguiremos efetivá-los. Agora, não sabemos nem se poderemos visitar a família
num feriado. Então nos questionamos se acertamos ao nos privarmos de certas coisas,
se não teria sido melhor termos aproveitado bastante.
Entretanto, a
nossa filosofia é de nunca olhar para cima, almejando a posição de quem tem renda
maior ou estilo de vida mais sofisticado. Estamos satisfeitos com o que
conquistamos e temos plena convicção de que a preocupação com o porvir
tinha seu fundamento, não foi um equívoco. Afinal, parece que nosso futuro
distante se antecipou.
Sabemos que Deus
nos colocou em situação muito cômoda, se comparada a grande parte daqueles que
recolhem os impostos que custeiam nosso salário, e que em virtude de qualquer
problema de saúde correm o risco de demissão, ou deixam de ter rendimentos por serem autônomos.
Em vez de
lamentar os sonhos que porventura nunca serão realizados, agradecemos por
conseguir passar pelas turbulências com um raro conforto. Sempre me lembro de
uma novela do Manoel Carlos, a qual eu criticava por mostrar uma família capaz
de adquirir todos os equipamentos necessários à recuperação de sua filha tetraplégica. Dizia eu: “isso não reflete a realidade dos brasileiros”.
Eis que,
graças ao nosso juízo em poupar, hoje conseguimos enfrentar os desafios e as
limitações da doença crônica com mais serenidade. Quando penso naqueles que sentem dor durante
meses, à espera de uma simples consulta ou exame na rede de saúde pública, vejo
como somos abençoados. Agraciados pelas oportunidades que tivemos, e contentes
por tê-las agarrado com afinco.
Mas há aqueles que, por desatenção ou ignorância, comemoram ou julgam a recente aquisição de um carro usado, mas pomposo. Ou se esquecem
do real motivo da compra, ou nem imaginam o que sentimos cada vez que nele entramos.
Se soubessem como eu preferia que, em vez de precisar dirigir aquele carro, seu
dono pudesse ir trabalhar numa simples bicicleta...
Amiga, sei bem o que você descreveu. Por muitas vezes tento mostrar que houve um preço pago, várias renuncias, choro, questionamentos... Plantamos para colher num futuro.
ResponderExcluirQuanto aos sonhos, eles tem chegado devagar e as dores físicas e emocionais tem nos ensinado. Somos fruto de uma escolha. admiro vcs.
Somos frutos dela e arcamos com suas consequências... A admiração é recíproca!
ExcluirAcho que para tudo na vida deve haver um equilíbrio, de nada serve somente o trabalho e a previdência, se não soubermos também o momento de aproveitar do fruto do nosso esforço. Também acho que devemos saber a hora de trabalhar menos, ou, quem sabe, parar de trabalhar, pra vivenciar o dia a dia daquilo que conquistamos ou pra conviver com quem nos espera sempre ansiosamente. Fazemos mesmo muitos planos, sem saber, como você diz, se vamos conseguir colocá-los em praticas, mas creio que devemos confiar em alguma coisa, em alguma lei de compensação, e seguir, para, pelo menos, ter a sensação que fizemos o que acreditamos ser o melhor.
ResponderExcluirConheço alguns casos também de quem venceu profissionalmente e agora, as pessoas ao seu redor, familiares (exceto os pais, que muito fazem, e pouco pedem em troca a vida toda), consideram que é um “dever” deles os ajudarem financeiramente. Não penso assim. Como você diz, poucos acompanham o preço que eles pagaram la atrás, com uma vida de negações, de suor solitário, de empenho constante. Alguns, com tijolos nas maos, constroem casas, outros, quebram vidracas.
Com certeza, equilíbrio e responsabilidade pelas consequências de suas escolhas... Eu acho que a sociedade às vezes é injusta, não reconhece o esforço de muitos e quer fazer com que arquem com a irresponsabilidade alheia.
ExcluirFalo de uma forma geral; por sorte nunca fomos cobrados por irresponsabilidades alheias,rs. Bjo
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