quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Memórias

É fácil abrir o álbum de fotos para fazer chantagem emocional e cobrar do outro a aceitação dos equívocos, exigindo esquecimento em nome da história preenchida.

Difícil é olhar com carinho para a linha do tempo, valorizar os capítulos anteriores e considerar o contexto vivido, controlando seus impulsos em respeito ao livro construído em parceria.

Covarde é aquele que arranca as páginas registradas sem o consentimento alheio, no intuito de manipular o roteiro e fingir que nada aconteceu, continuando uma narrativa enviesada.

Corajoso, mesmo, é quem dignifica o passado e tem força para dominar-se, cuidando para não transformar em escritos os pensamentos ultrajantes, que arruinariam o enredo.

Na novela da vida, o hipócrita usa os fatos pretéritos para se fazer de vítima e cobrar subserviência. Justifica a audácia na vivência conjunta e, a fim de legitimar suas falhas, apela para as recordações de um coração dilacerado. Palavras ao vento.

O leal, ao contrário, se antecipa e honra esse mesmo histórico para recusar cenas inapropriadas, acrescentando apenas passagens autênticas ao texto. Nada o distrai ou tira do propósito. Ele não precisa incluir personagens aleatórios, esconder imagens e frases ou iludir o parceiro, pois nada redige de inconsequente.

Numa história escrita a quatro mãos não cabe edição unilateral. Feliz e sofrido, com altos e baixos, cômico e dramático - há algo mais belo do que um documentário honesto?

Deve o coautor ter em mente que certas ideias precisam ser guardadas na caixinha das sensações, jamais despejadas no papel, em consideração à união voluntária.

O escritor que ignora o companheiro mancha sua obra. A borracha é incapaz de apagar tudo.

Fatos (imagens + escritos) = memórias

 

 21 de outubro de 2019


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Escrevo porque preciso

Escrever é uma necessidade...  O pensamento chega, o texto se ajusta de forma meteórica e necessita ser externado. Um process...