quarta-feira, 16 de abril de 2014

Simplicidade presumida

    Nanci sempre estufou o peito ao dizer que era pouco vaidosa. Em casa, no trabalho ou nas festas, o visual era praticamente o mesmo. Simples.
   Batom discreto, vez ou outra lápis para olhos ou delineador, raramente aparava as sobrancelhas. Esmalte nas unhas, apenas para eventos de pompa. Xampu de qualquer marca, secador somente para tirar a umidade, nada de penteado especial; aventurava-se no corte sozinha, comprimentos diversos. Sem compromisso com a moda, para os acessórios nunca deu bola. Alternava sem problemas entre magra e gordinha, o guarda-roupa acompanhava a tendência de quem comia muito ou pouco com consciência.
    Incrivelmente determinada a aceitar-se como Deus a criou, a moça desapegada pouco se afetava pela opinião alheia sobre sua aparência. Ela não entendia o compromisso da maioria com a manicure, a pedicure, a escova, o alisamento, a tintura, a maquiagem, a hidratação, a combinação das peças, a preocupação com a roupa do dia. 
   Até que veio o acaso para abalar as estruturas da crítica e desprendida menina, que considerava tudo perda de tempo e fazia piada da busca pela beleza. Levada a cortar os cabelos, por força das circunstâncias acima do peso, vestimenta fora de estilo, impossibilitada de usar os enfeites que queria, no reflexo uma estranha agonia.
   Para Nanci, aquilo era doído. Não adiantava ouvir que o corte ficou lindo, que o vestido lhe caía bem, que o lenço era um charme, que estava bonita, que nem dava para perceber. O cabelo ia crescer, ela tinha que emagrecer, recusava-se a comprar roupas maiores, responder sobre a echarpe tornou-se fatigante. Nada disso ela havia escolhido.     
   Foi aí que ela percebeu o quanto era presunçosa... Que ilusão, considerar-se abnegada, quando tinha no orgulho de controlar o que a satisfazia no espelho, uma grande vaidade.

Um comentário:

  1. Me lembra uma música do Legião: "... o que eu mais queria era provar pra todo mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém"

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