O homem grisalho senta-se na frente da moça. Gesticula bastante e esbraveja que o banco roubou todo o seu dinheiro, aquele
papel em branco amassado é a prova do crime. A bancária tem a obrigação de
devolver sua fortuna.
_Senhor, não há no sistema nenhuma conta em nome de Presivaldo
Mintras.
Fúria, fúria, fúria... chuvisco de cuspe e papel jogado na mesa.
_Dona, meu filho foi assassinado pelo meu irmão, um cachorro está
atrás de mim e até rasgou a minha camisa, olha só! E o que o banco
vai fazer, nada?
Gláucia não encontra estragos na blusa xadrez. Para livrar-se da
situação e dar andamento na fila, tem a brilhante solução:
_Seu Presivaldo, vou anotar os dados para averiguar o ocorrido,
volte daqui uma semana, por favor.
Sete dias se passam e, para a surpresa de todos, lá está o homem no
canto da agência. Cobra a resposta para o roubo de seu tesouro e
não aceita as explicações da funcionária. A cada negativa, fica
mais nervoso e amaldiçoa:
_Dona, se a senhora não me ajudar a recuperar minha fortuna, o
cachorro vai te pegar! Eu não vou embora! Olha a nuvem, olha nuvem
aí em cima.
_Tudo bem, seu Presivaldo, eu sei que o senhor tem razão. Mas vamos
fazer o seguinte, leve o telefone do banco anotado e, para evitar se
deslocar à toa, ligue para saber sobre o andamento do processo.
O homem vai embora satisfeito, e Gláucia acredita ter resolvido o
problema de vez. Doce ilusão! Que ideia de jerico, agora começa a
perseguição...
Dia após dia, seu Presivaldo azucrina a telefonista, que já passa a
ligação diretamente para quem, quem? Gláucia, a funcionária
premiada com os casos de comunicação truncada.
Berros insistentes do outro lado da linha, tentativas frustradas de
diálogo com a ‘vítima’, novas ameaças de ataques caninos.
Gláucia põe o telefone na mesa para atender os outros clientes e,
quando o coloca de volta no ouvido, ainda persiste a ladainha. Depois
de algumas promessas de ajuda, ele encerra ligação, repetindo o alerta:
_A senhora está vendo essa nuvem preta em cima da sua cabeça? É
tudo cachorro, é tudo cachorro! Ele vai cair e vai te comer,
cuidado! É tudo cachorro, é tudo cachorro!
Semanas de telefonemas depois, o homem transtornado, suando em bicas, visita a agência e faz sua última declaração:
_Aquele cachorro mordeu a perna do meu filho no poste. Sabe dona, a
senhora não resolveu meu problema, então eu vou embora. Mas olha
bem pra mim, olha bem... (puxando a camisa). Se a senhora achar algum
cachorro usando minha roupa por aí, é porque ele me comeu!
Gláucia nunca mais teve notícia do pobre senhor, de quem
ocasionalmente se lembra ao avistar um cão. Por sorte, jamais
encontrou um animalzinho vestindo aquela calça surrada e a camisa
quadriculada.
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