Cá estou eu na cidade modelo em coleta de lixo. Barcelona é realmente de impressionar: um sistema subterrâneo atende parte da cidade e nas demais localidades há contêineres em cada quarteirão, sendo que os moradores têm que caminhar um pouquinho para descartar o lixo. Tudo sinalizado e dividido: três para os diferentes tipos de recicláveis, um para alimentos e outro para os demais resíduos (você tem que separar os restos de comida das fraldas e do papel higiênico, por exemplo). Existem lixeiras de todo tipo nos parques e na praia, cestos seletivos nas estações de metrô, instruções para deixar entulho e móveis na rua somente em determinado horário. Há também os garis, um veículo que 'varre' as ruas e incontáveis caminhões coletores que rodam pela cidade o dia inteiro, sendo pontualíssimos na retirada do lixo.
E
o que será que essa região tem em comum com o Brasil, que possui louváveis
projetos de reciclagem, mas cuja capital federal ainda nem engatinha nesse
sentido?
Não
sei ao certo quando a coleta seletiva foi implementada em Franca, mas me lembro
de que desde o início a prática de separar o lixo seco foi adotada em
minha casa, ao contrário de algumas residências vizinhas. Ainda hoje, a
prefeitura enfrenta o descaso de parte da população.
Quando
cheguei a Brasília, veio o desapontamento: aquele lugar lindo, centro das decisões
políticas nacionais, não possuía um sistema de coleta seletiva. Como era
possível, se minha cidade do interior, chamada de provinciana por alguns, a
fazia há anos? Falta de vontade do poder público, certamente. Pesquisei sobre o
assunto e logo descobri pontos de entrega voluntária de materiais recicláveis
no Wal-Mart e no Pão de Açúcar. Comprei um cesto grande e, desde então, em casa
separamos tudo e levamos o lixo seco aos referidos supermercados, por vezes
aproveitando o momento de fazer compras, outras somente com essa finalidade.
Durante
o ano que passamos em Ribeirão Preto, convivi novamente com a coleta seletiva
organizada, que também não era levada a sério por uma parcela dos condôminos. A
administração do condomínio separava o que poderia ser comercializado e
utilizava o dinheiro arrecadado com a venda para melhorar as áreas comuns ou
realizar eventos.
De
volta ao Distrito Federal, apresentei o projeto à prefeita da quadra, com um
entusiasmo que acabou quando ouvi que já haviam tentado algo parecido, mas que
fora abandonado porque muitos moradores despejavam material sujo, o que gerava
mau cheiro e aglomeração de insetos. Enfim, o que esperar de pessoas que jogam
lixo pela janela (potes de iogurte, fio dental e cotonete usado, etc.) e espalham
de tudo pela área de lazer, inclusive comida no parquinho das crianças?
Lá fui eu continuar com minha tarefa caseira, pois não conseguia colocar
num só saco sobras de alimentos, caixas de leite e garrafas de plástico.
Alguns
dizem não saber como consigo manter esse hábito cuidando sozinha de três
crianças pequenas e de um apartamento de menos de 90m2. Eu
é que não entendo como pessoas esclarecidas, com condições de ajudar o meio
ambiente pelo menos dessa forma, não têm o mínimo de boa vontade e preferem
empurrar a responsabilidade para o poder público, como se ninguém pudesse fazer
sozinho a sua parte. Por que dizer que é obrigação do governo e só
separar os recicláveis se alguém os recolhe na porta, ou afirmar que não
participaria da coleta seletiva com a desculpa de que isso dá muito
trabalho?
Tudo
bem que há aqueles sem a mínima estrutura na vida ou acesso a boa educação e
informação, e desses seria desumano cobrar algo para melhorar a sociedade que
deles não cuida. Mas se a pessoa tem carro, não poderia
alongar a jornada na pia por alguns minutos ou pedir para a doméstica/diarista
lavar as embalagens, e depois perder um tempinho para depositá-las num posto de
coleta? Seria tão complicado deixar de jogar os jornais, as revistas e as
caixas dos novos eletrodomésticos no mesmo lugar onde se descarta o lixo
orgânico?
Claro
que é imprescindível um esquema público de coleta seletiva e tratamento de
resíduos, aliado a um programa eficiente de conscientização da população por
parte do Estado. A atuação responsável do governo certamente é o principal modo
de se mudar a mentalidade da maioria, mas acredito que não seria o bastante
e possivelmente muitos cidadãos optariam por não colaborar.
É justamente
nesse ponto que digo que os barceloneses não são totalmente diferentes dos
brasileiros. Apesar de todo o zelo e da política de incentivo por parte do
Ajuntament de Barcelona, você anda pelas ruas e vê lixo espalhado pelo chão,
encontra bitucas de cigarro por toda parte, abre o contêiner de
resíduos orgânicos e encontra vidro e papelão, sendo que a lixeira destinada a
eles está logo ao lado. Nem penso em culpar os estrangeiros, porque estamos em
um bairro fora da rota turística, e não vou dizer que chega perto da quantidade
de lixo que vemos espalhado em nosso país. Mas que essa de driblar as regras de
coleta tem muito a ver com o nosso jeitinho latino de ser e que a herança da
colonização deve ser forte, não dá pra negar.
Nos
questionamentos internos sobre a validade desse ‘esforço’ (aos olhos dos outros,
porque para mim já faz parte da rotina caótica de dona-de-casa), dia desses me
ocorreu que temos o luxo de não precisar produzir nenhum alimento que
consumimos e poder adquirir uma ampla variedade de produtos higienicamente
embalados, regalias impensáveis nos tempos dos nossos pais ou avós. Sendo tão
beneficiados pela modernidade, por que não nos empenharmos para lidar melhor
com o lixo, dar o exemplo para os filhos e ensiná-los a cuidar do planeta onde
vivem e criarão seus rebentos?
Longe
de mim ser considerada uma cidadã ecologicamente correta. Falho bastante e acho
que faço bem menos do que poderia, principalmente porque não consigo adotar o
consumo consciente. Tenho vontade, mas a loucura do dia-a-dia me faz deixar
isso de lado, e as embalagens são tantas que geralmente nem cabem naquele cesto
e são guardadas em sacolas na dispensa. Pois é, o egoísmo e o apego a certas
facilidades e confortos são difíceis de serem abandonados, e eu fico apenas
nesse paliativo, como muitos.
Esse
não é depoimento para o Fantástico, mas de tudo o que vi na vida (e que foi
pouco), posso concluir que, independentemente de onde se mora e dos programas
desenvolvidos pelo governo, para que o cidadão tenha disposição para executar a
simples tarefa de separar o lixo ou reduzir o consumo de descartáveis, é
necessário reciclar primeiro a mente.