terça-feira, 18 de setembro de 2012

O quadro dos meninos felizes

              "Zezé é o legal, mas feio; Dudu é o gênio, mas chato; Mimi é a boazinha, mas  doida"
         Rótulos são bastante perigosos, principalmente aqueles estabelecidos por familiares e pessoas mais próximas.  O problema é que, de tanto ouvi-los, a criança pode passar a se definir por eles. Como ela ousaria duvidar daqueles que, em tese, a conhecem melhor que ninguém?
             Podemos ser bem-intencionados, mas, como humanos, cometemos inúmeros lapsos ao falar sobre e com os nossos filhos. Seja num momento de impaciência, na hora de resolver uma briga ou em uma conversa com os amigos, vira e mexe sai um comentário não muito legal ou  exageradamente bom.  A criança, que ouve sempre as mesmas observações, percebe como é notada pelos outros, passa a reforçar o comportamento que teve tanta repercussão e faz dele um hábito, por vezes não muito saudável. Aqui em casa não é diferente.
Certa vez, um adulto disse a um dos meninos que ele não poderia ser o baterista da bandinha, porque não levava jeito para tocar o instrumento (de brinquedo!) e o bom nesse departamento era o irmão. Por mais que nós explicássemos que não tinha nada a ver e que ele podia tocar o que quisesse, demorou quase um mês para ele deixar de falar que era incapaz de usar a bateria.
Um tem medo do escuro, de cachorro e de ficar sozinho. Começou a dizer que era medroso diariamente e a usar essa palavrinha para justificar várias recusas.  Sempre dizia que tinha muita vergonha, que não conseguia fazer muitas coisas, que era muito lento, e por isso decidiu não se empenhar em algumas atividades.
O outro descobriu que ser bravo o tornava diferente dos demais. E deu para reclamar de tudo, dar chilique, fazer birra... Não adiantava dizermos que ele não precisava fazer coisa feia para chamar nossa atenção, pois ele estava decidido que seria o nervosinho da casa. Pior, dizia que não era feliz. Por quê?  ‘Ué, porque eu sou bravo, né!’
Foi então que me veio à cabeça uma atividade usada nas aulas de inglês. Basicamente, os alunos escrevem ou colam adjetivos positivos nas costas dos amigos, e ao discuti-los revisamos seus opostos. Adaptei a ideia à idade da galerinha e montamos juntos o “quadro dos meninos felizes”. 
Levando em consideração nossa realidade, imprimi e recortei alguns adjetivosBase na cama, colamos primeiro as fotos deles. Cada um colava uma palavra no quadro e conversávamos sobre ela. Expliquei, por exemplo, que ter medo de algumas coisas é normal e isso não faz dele uma pessoa medrosa, pois tem coragem para realizar muitas proezas. Que uma pessoa brava não é obrigatoriamente triste - ele pode ser feliz e ter momentos de nervosismo, é natural reclamar de vez em quando. Que é amigo e simpático quando empresta os brinquedos, que é esforçado e o importante é tentar, que consegue ser rápido em muitas atividades, que é amado por nós de qualquer maneira, etc.
Para finalizar, eles colaram alguns adesivos e fixei a montagem na parede do quarto. Durante alguns dias, reforçamos todas as palavras antes de dormir, e atualmente o quadro é utilizado em vários momentos de choro ou elogios. Resultado: eles se orgulham e continuam decorando a ‘obra de arte’, e faz um tempinho que não os ouço se autodesqualificando.
Evidentemente, consigo detectar as inclinações e as características marcantes da personalidade de cada filho. Mas não posso rotulá-los e induzi-los a permanecer nessa embalagem, pois a criança de hoje não necessariamente determina como será o adulto de amanhã. Até mesmo aplausos excessivos podem gerar muita pressão nessas cabecinhas.
Escorregões de minha parte ainda acontecem? Sim, e certamente continuarão a ocorrer, assim como eles sempre ouvirão críticas negativas ou supervalorizadas de várias outras pessoas. Mas o importante é que eles cresçam conscientes de que ninguém é perfeito, que nossas qualidades e defeitos são variáveis conforme a situação e percebidos de diversas formas, dependendo muito do interlocutor.
Meu desejo é que eles tenham discernimento para: não depender de terceiros para se valorizar; não se definir pela opinião alheia; moldar suas atitudes às necessidades do momento e reconhecer suas falhas; achar graça e conviver bem com algumas limitaçõesnão absorver em absoluto e para todo o sempre qualquer adjetivo, bom ou ruim, mesmo que lhes tenha sido imputado por mim. 
          Enfim, que entendam a diferença entre dizer: “Eu ESTOU chato/triste/bravo” e “Eu SOU chato/triste/bravo"            
                A tarefa é árdua, mas não custa tentar...
       

      

Um comentário:

  1. Muito inteligente sua iniciativa, Cris. Me fez pensar em quanto venho rotulando o meu filho tambem, imputando a ele caracteristicas de determinadas pessoas da familia, como se o carater e a personalidade fossem hereditarios. O importante eh faze-los perceber que ninguem eh somente e, inevitavelmentente, nervoso, por exemplo, ou passivo. Ha, em nos, caracteristicas mais marcantes, mas ninguem eh so um personagem plano no livro de historias da vida, somos, sim, cheios de arestas para lapidar e linhas para descobrir!

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