"Zezé é o legal, mas feio; Dudu é o gênio, mas chato; Mimi é a boazinha, mas doida"
Rótulos são bastante perigosos,
principalmente aqueles estabelecidos por familiares e pessoas mais próximas. O
problema é que, de tanto ouvi-los, a criança pode passar a se definir por eles.
Como ela ousaria duvidar daqueles que, em tese, a conhecem melhor que
ninguém?
Podemos ser bem-intencionados,
mas, como humanos, cometemos inúmeros lapsos ao falar sobre e com os nossos
filhos. Seja num momento de impaciência, na hora de resolver uma briga ou em
uma conversa com os amigos, vira e mexe sai um comentário não muito legal ou exageradamente bom. A criança, que ouve sempre as mesmas observações, percebe como é notada pelos outros, passa a reforçar o comportamento que teve tanta repercussão e faz dele um hábito, por vezes não muito saudável. Aqui em casa não é diferente.
Certa vez, um adulto disse a um dos meninos que ele
não poderia ser o baterista da bandinha, porque não levava jeito para tocar o
instrumento (de brinquedo!) e o bom nesse departamento era o irmão. Por mais
que nós explicássemos que não tinha nada a ver e que ele podia tocar o que quisesse, demorou quase um mês para ele deixar de falar que era incapaz de usar a bateria.
Um tem medo do escuro, de cachorro e de ficar
sozinho. Começou a dizer que era medroso diariamente e a usar essa palavrinha para justificar várias recusas. Sempre dizia que tinha muita vergonha, que não
conseguia fazer muitas coisas, que era muito lento, e por isso decidiu não se empenhar em algumas atividades.
O outro descobriu que ser bravo o tornava
diferente dos demais. E deu para reclamar de tudo, dar chilique, fazer birra...
Não adiantava dizermos que ele não precisava fazer coisa feia para chamar nossa
atenção, pois ele estava decidido que seria o nervosinho da casa. Pior, dizia
que não era feliz. Por quê? ‘Ué, porque eu
sou bravo, né!’
Foi então que me veio à cabeça uma atividade
usada nas aulas de inglês. Basicamente, os
alunos escrevem ou colam adjetivos positivos nas costas dos amigos, e ao
discuti-los revisamos seus opostos. Adaptei a ideia à idade da galerinha e montamos juntos o “quadro dos meninos felizes”.
Levando em consideração nossa realidade, imprimi
e recortei alguns adjetivos. Base na cama, colamos primeiro as fotos deles. Cada um colava uma palavra no quadro e conversávamos sobre ela. Expliquei, por exemplo, que ter medo de algumas coisas é normal e isso não faz dele uma pessoa medrosa, pois tem coragem para realizar muitas proezas. Que uma pessoa brava não é obrigatoriamente triste - ele pode ser feliz e ter momentos de nervosismo, é natural reclamar de vez em quando. Que é amigo e simpático quando empresta os brinquedos, que é esforçado e o importante é tentar, que consegue ser rápido em muitas atividades, que é amado por nós de qualquer maneira, etc.
Para finalizar, eles colaram alguns adesivos
e fixei a montagem na parede do quarto. Durante alguns dias, reforçamos todas
as palavras antes de dormir, e atualmente o quadro é utilizado em vários
momentos de choro ou elogios. Resultado: eles se orgulham e continuam decorando
a ‘obra de arte’, e faz um tempinho que não os ouço se autodesqualificando.
Evidentemente, consigo detectar as
inclinações e as características marcantes da personalidade de cada filho. Mas não posso rotulá-los e induzi-los a permanecer nessa
embalagem, pois a criança de hoje não necessariamente determina como será o
adulto de amanhã. Até mesmo aplausos excessivos podem gerar muita pressão nessas cabecinhas.
Escorregões de minha parte ainda acontecem?
Sim, e certamente continuarão a ocorrer, assim como eles sempre ouvirão
críticas negativas ou supervalorizadas de várias outras pessoas. Mas o
importante é que eles cresçam conscientes de que ninguém é perfeito, que nossas
qualidades e defeitos são variáveis conforme a situação e percebidos de
diversas formas, dependendo muito do interlocutor.
Meu desejo é que eles tenham discernimento para: não depender de
terceiros para se valorizar; não se definir pela opinião alheia; moldar suas atitudes às necessidades do momento e reconhecer suas falhas; achar graça e conviver bem com algumas limitações; não absorver em absoluto e para todo o sempre qualquer adjetivo, bom ou ruim, mesmo que lhes tenha sido imputado por mim.
Enfim, que entendam a diferença entre dizer: “Eu ESTOU chato/triste/bravo” e “Eu SOU chato/triste/bravo".
Enfim, que entendam a diferença entre dizer: “Eu ESTOU chato/triste/bravo” e “Eu SOU chato/triste/bravo".
A tarefa é árdua, mas não custa tentar...